As pressões sobre as agências
As agências reguladoras federais são órgãos da administração indireta criados na segunda metade da década de 90 para cumprir a missão, essencialmente técnica, de regulamentar e fiscalizar as atividades de empresas privadas concessionárias de serviços públicos. Com o claro intuito de preservar a natureza técnica de seu trabalho, as agências foram estruturadas de modo a evitar ingerência política em suas decisões. Mas faltou combinar isso com os políticos, segundo revela matéria do repórter Jamil Chade publicada na edição da última terça-feira do Estado: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária(Anvisa) é alvo constante de políticos, geralmente parlamentares, que fazem lobby em favor da indústria farmacêutica e das empresas prestadoras de serviços de saúde.
"Se você não recebe os caras (os parlamentares), sua vida vira um inferno", desabafou o diretor-presidente da Anvisa, Dirceu Barbano.
Em 2011, deputados, senadores e governadores solicitaram 140 audiências com o diretor-presidente ou com diretores da entidade, na maior parte dos casos para defender a liberação de produtos farmacêuticos.
Em tese, com certa boa vontade, é possível admitir como normal e compatível com sua condição de representante da sociedade, que um parlamentar se disponha a ajudar homens de negócios na defesa de pleitos justos junto à administração pública. Mas, a simples presença de um senador ou deputado numa audiência com servidores públicos tem uma inevitável conotação de ingerência política numa área em que, por definição, as decisões devem ser eminentemente técnicas. E ao comparecer de parlamentar a tiracolo numa audiência com administradores públicos, os pleiteantes pretendem mesmo é fazer pressão política.
Senão, bastaria que enviassem seus técnicos para dialogar com os da agência.
O depoimento do presidente da Anvisa é categórico quanto as más intenções de muitos dos senadores e deputados que o procuram. Alguns deles pedem até que a audiência não conste da agenda. E relata a resposta que deu a uma dessas solicitações: "Como assim, deputado? Nossa agenda é pública. Vamos tratar de alguma coisa que não pode ser pública?".
Dirceu Barbano explica a postura que assume em casos como esse: "Não estou ali para medir a lisura do que as pessoas estão fazendo. O que fazemos é um processo padronizado de atendimento". E acrescenta, referindo-se ao parlamentar que faz lobby: "Qual é a relação dele com a empresa, não é problema meu. É um problema ético dele". A Anvisa garante que todas as audiências a empresas que tenham processos em andamento são concedidas, por técnicos da agência, em salas especiais onde as conversas são gravadas.
Ao final, é lavrada uma ata que todos assinam. Mas, quando há políticos envolvidos, "em respeito ao Legislativo" adota-se um procedimento mais flexível que só não dispensa a ata final.
A questão do lobby político junto à Anvisa veio à tona recentemente, a partir da revelação de que, em 21 de setembro do ano passado, o senador goiano Demóstenes Torres, hoje sem partido e ameaçado de ter o mandato cassado desde que foram descobertas suas ligações com o contraventor Carlinhos Cachoeira, agendou uma audiência com Barbano para defender interesses do laboratório Vitapan, de propriedade do bicheiro.
A pressão política sobre as agências reguladoras, na verdade, só aumentou desde o primeiro mandato do presidente Lula, que jamais disfarçou sua contrariedade com a plena autonomia desses órgãos da administração indireta - cujos diretores, por exemplo, têm mandato fixo e não podem ser demitidos ad nutum -, em cuja missão de defender o interesse público está implícita a necessidade de, eventualmente, contrariar interesses políticos. É claro, portanto, que não é apenas a Anvisa que está sujeita à constante pressão de que se queixa Dirceu Barbano.
Exemplos como esse evidenciam a necessidade de preservar o espírito com que as agências foram criadas, livres da ingerência mal-intencionada de homens públicos a serviço de interesses privados.
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