Em todo o mundo, abortos realizados sob condições inseguras provocam cerca de 50 mil óbitos de mulheres por ano. No Brasil, apesar de o procedimento ser proibido – é permitido somente em casos de estupro, quando a gravidez provoca algum risco de vida à mãe ou se o feto for anencefálico – o número de abortos induzidos é elevado, variando de 750 mil a 1,5 milhão por ano, considerando somente as hospitalizações no SUS. A prática representa a quarta causa de óbito materno no país, o que a torna um grave problema de saúde pública. Buscando conhecer as determinantes sociais do aborto induzido e o contexto em que ele ocorre, estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Associação para Pesquisa e Promoção da Saúde e dos Direitos da Mulher estimou a prevalência de mulheres que recorreram ao procedimento e identificou as características sóciodemográficas associadas à prática em uma comunidade da periferia da capital paulista.
Aproximadamente 70% das mulheres submetidas ao procedimento não faziam uso de métodos contraceptivos. A idade média das entrevistadas, quanto a abortos induzidos e espontâneos, foi de 23 anos
Os resultados, publicados na revista Cadernos de Saúde Pública, da Fiocruz, revelam que, das 375 entrevistadas, 93 sofreram ou se submeteram a um aborto, o que corresponde a uma prevalência de 24,8%. Foram constatados 144 abortos, dos quais 82 foram induzidos e 62, espontâneos. “Muitos abortos declarados espontâneos podem na verdade ter sido induzidos”, observam os pesquisadores. O procedimento em todos os casos foi realizado clandestinamente e sob condições inseguras ou por pessoas sem formação profissional ou em locais anti-higiênicos e inadequados. “Quase todos os abortos realizados sob condições inseguras ocorrem em países pobres e em desenvolvimento, onde a prática é proibida por lei”, dizem os pesquisadores.
O estudo, realizado com mulheres de 15 a 54 anos, também indica alta taxa de morbidade devido a complicações decorrentes do procedimento, principalmente hemorragias e infecções (94,12%), índice significativamente superior em comparação ao encontrado em grupos de mulheres com maior renda ou com acesso ao aborto seguro. Em países em que a prática é legalizada, relatam os estudiosos, a taxa de fatalidade e mortalidade é baixa, uma vez que o procedimento é realizado por profissionais habilitados e em condições higiênicas.
Os resultados da pesquisa ainda revelam iniquidades: no grupo de mulheres submetidas ao procedimento de forma insegura, a renda per capita é significativamente menor. “Pesquisas sobre aborto clandestino, em contextos nos quais a prática é fortemente restringida por lei, indicam que as mulheres com rendas mais elevadas têm maior probabilidade de se submeter ao aborto induzido sob condições mais seguras, em comparação com as de renda mais baixa”, explicam os estudiosos. Segundo eles, as mulheres com baixas renda e escolaridade frequentemente relatam falta de conhecimento sobre saúde sexual e reprodutiva além de acesso limitado aos contraceptivos e crescimento de efeitos adversos na saúde como razões para não usar anticoncepcionais. “Mulheres com maior escolaridade não apenas adquirem mais conhecimento, mas também têm maior autonomia e capacidade de escolha de métodos anticoncepcionais mais eficazes”, esclarecem.
Além da renda inferior e baixa escolaridade, outras características associadas ao aborto induzido encontradas no estudo foram estado civil solteiro, etnia negra, primeira relação sexual abaixo dos 16 anos, dois ou mais parceiros no ano anterior ao estudo e número de filhos acima do ideal. Na análise da associação entre etnia e escolaridade quanto ao número de abortos induzidos, a maior proporção de realizações do procedimento (35,7%) ocorreu entre mulheres negras com escolaridade primária incompleta. As menores proporções de abortos induzidos foram identificadas em mulheres não negras com, no mínimo, escolaridade primária completa (6,7%), casadas ou em relacionamento estável (8,7%) e com renda superior (6,7%).
Aproximadamente 70% das mulheres submetidas ao procedimento não faziam uso de métodos contraceptivos. A idade média das entrevistadas, quanto a abortos induzidos e espontâneos, foi de 23 anos. Já em relação ao primeiro aborto induzido, a média foi de 21 anos e, no que diz respeito à primeira gravidez, 17 anos. Mais de 50% das mulheres tiveram a primeira relação sexual entre 11 e 16 anos. Segundo os pesquisadores, a vulnerabilidade à gravidez não planejada é muito maior nesta faixa etária, especialmente entre as mulheres com baixas renda e escolaridade, devido a fatores como falta de experiência ou conhecimento necessário, atividade sexual irregular e pouca comunicação com os parceiros. Somente 33,3% das entrevistadas recorreram ao procedimento durante a primeira gravidez, enquanto 66,6% tiveram o primeiro aborto induzido em gestações subsequentes.
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