por Conceição Lemes no Vi o Mundo
O grande desafio do SUS (Sistema Único de Saúde) é o acesso, com atendimento de qualidade à população. Para garanti-lo, é preciso ter profissionais bem formados, atualizados, com remuneração adequada.
Paradoxalmente, em 11 de maio, a presidenta Dilma Rousseff baixou a Medida Provisória (MP) 568/2012, que reduz drasticamente vencimentos e direitos médicos de hospitais, entidades e órgãos federais.
A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, também assina a MP que visa à reestruturação de planos de carreira e salários dos servidores federais.
“A MP 568 beneficia várias categorias, mas traz um prejuízo inaceitável para médicos e médicos veterinários de uma forma geral, inclusive àqueles que dão aulas em universidades, além de mexer nos adicionais de periculosidade e insalubridade”, denuncia a médica e deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “Reduz em 50% a remuneração. É absolutamente inexplicável, ninguém entendeu a razão dessa maluquice.”
Jandira integra a Comissão Mista no Senado Federal que foi instalada na terça-feira 22 e vai analisar a MP. Na prática, é o conteúdo do projeto de lei 2.203/2011, enviado ao Congresso no ano passado, transformado na MP 568/2012.
Não teria havido um engano?!
“Não houve engano, não”, avisa a deputada. “Tem oito meses que a gente negocia o projeto de lei 2.203/201 com o Planejamento.”
“Em agosto de 2011, quando o governo encaminhou ao Congresso o projeto 2.203, nós questionamos o Planejamento sobre os valores dos salários e gratificações dos médicos em geral”, explica Jandira. “A informação foi de que teria havido um erro de encaminhamento e a tabela seria corrigida. Nós ficamos aguardando o retorno da ministra Miriam Belchior. Só que isso não ocorreu. E, agora, para nossa surpresa, o governo assinou a medida provisória com teor idêntico ao da MP.”
“MAIS UM DESVIO DE RUMO PARA A MELHORIA DO SUS”
Não é à toa que as entidades médicas estão maciçamente contra a MP 568.
“Essa medida desconsidera a lei 3.999, que desde 1961 determina uma carga horária semanal de 20 horas para médicos, diferente dos demais servidores, cuja carga é de 40 horas. O texto também não leva em conta a lei 9436, de 1997, que permite aos médicos que já trabalham 20 horas solicitar outras 20 horas, ficando com um total de 40 horas semanais”, diz Aloísio Tibiriça Miranda, presidente em exercício do Conselho Federal de Medicina (CFM). “O problema afeta perto de 48 mil médicos.
“Já é cada vez mais difícil atrair médicos para o SUS por conta da falta de estrutura e dos baixos salários, agora criam mais esse empecilho”, alerta Márcia Rosa de Araújo, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj). “Essa MP prejudica a população, pois traz enormes prejuízos para a assistência oferecida pela rede pública.”
Em nota conjunta, a Associação Médica do Paraná, o Conselho Regional de Medicina do Paraná e o Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná repudiam a MP 568/2012:
A malfadada Medida, além não atender a sua aplicabilidade na forma prevista pelo artigo 62 Constituição Federal, eis que o assunto de que trata, embora seja relevante, não é de urgência, visa alterar conquistas auferidas pelos médicos já consolidadas pelo tempo, o que lhes garante o direito adquirido e, o que é mais grave, intenta diminuir salários e carga horária afeitas a legislação especifica, no caso as Leis 3.999/1961 e 9.436/1997, ainda vigentes.
De outro lado, a instituição da VNPI (Vantagem Pessoa Nominalmente Identificada), nada mais é do que um engodo, que objetiva apenas evitar medidas judiciais que venham questionar a constitucionalidade da Medida, que por si só, já é inconstitucional, eis que busca o congelamento de proventos e a redução gradativa da remuneração dos médicos servidores públicos federais, aposentados e inativos.
A Medida Provisória n.º 568/2012 configura um afronta ao princípio do não retrocesso social, expressamente acolhido no Brasil quando da assinatura do Pacto de São José da Costa Rica, que veda a redução de direitos sociais constitucionais.
“A MP 568 é francamente descontextualizada das necessidades de saúde da população brasileira”, adverte a médica Ana Maria Costa, presidente do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes). “Deve ser analisada como mais um desvio de rumo para a melhoria do SUS. Esperamos que, agora, o Congresso recoloque as reais questões e propostas para solução dos problemas da força de trabalho do setor publico de saúde nas suas articulações com o direitos universal à saúde preconizado em nossa Constituição.”
Trocando em miúdos, com base em esclarecimentos postados no site do CFM:
* Desde 1961, devido à lei 3.999, os médicos têm jornada de 20 horas semanais. Todas as tabelas baseiam-se nisso.
* A partir de 1997, com a lei 9.436, os médicos podem optar por 40 horas semanais; aí, consideram-se como se fossem dois cargos de 20 horas. Tais direitos se estendem aos benefícios de aposentadorias e pensão.
* A MP 568 revoga a lei 9.436/1997. Logo, extingue a possibilidade de dois cargos de 20 horas.
* O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão alega que é necessário equiparar as tabelas dos médicos às dos demais profissionais de nível superior, o que significa passar as atuais tabelas de 20h para 40h sem ajuste dos vencimentos. O que, na prática, os reduz à metade.
* Só que a MP 568 não extingue o regime de 20h, mas lhe atribui metade do valor da nova tabela de 40h, já reduzida à metade, de modo que também corresponderá a 50% do valor atual.
* Como a Constituição não admite redução de salários ou vencimentos, a MP 568 tenta compensar as perdas, instituindo a Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada (VPNI), que corresponde à diferença entre os salários anteriores e a nova tabela. Assim, aproximadamente metade do valor percebido pelos médicos federais será transformada em VPNI.
* A VPNI, no entanto, terá um valor fixo e dele serão descontados reajustes regulares e adicionais de progressão, afetando inclusive aposentados e pensionistas. A VPNI também absorverá os adicionais de insalubridade e periculosidade da categoria.
“Com remuneração rebaixada, nós não conseguiremos ter mais médicos para o serviço público federal. Para evitar tal retrocesso já apresentamos 31 emendas à MP 568”, informa Jandira Feghali. “Também iremos ao Planejamento expor os equívocos da MP e tentar impedir que ela reduza vencimentos e acordos firmados em amplas mesas de negociação.”
A propósito. A Comissão Mista no Senado Federal já aprovou requerimento para convidar a ministra Miriam Belchior para uma audiência. Falta marcar a data.
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