Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo de 08/05/2012 sobre o aumento de homicídios de mulheres no Paraná, o Delegado de Homicídios Dr. Rubens Recalcatti diz: "As mulheres passaram a frequentar o mundo das drogas e a se relacionar com pessoas erradas. Elas queriam direitos iguais e, quando os conquistaram, não souberam o que fazer....".
Com esta declaração o Delegado responsabiliza as próprias mulheres pelo aumento da violência que se abate sobre elas, revelando, em primeiro lugar, o descaso com outras informações que o estudo original do Instituto Sangari divulgou: mais de dois terços das violências notificadas no Brasil ocorrem dentro de casa. No Paraná, dos 330 homicídios femininos ocorridos no estado em 2009, segundo declarações de óbitos, 1/3 se deram no domicílio. Nas violências que não resultaram em morte, captadas pela ficha de atendimento em unidades de saúde – SINAN, nos anos de 2009 a 2011, o principal local de ocorrência da violência contra mulheres foi o domicílio, correspondendo a 67,4% dos casos notificados. E quem agride é o companheiro, marido, namorado ou ex.
Portanto, no conjunto da violência contra as mulheres, é preciso reconhecer que uma parte expressiva desse quadro é consequência de relações desiguais de poder entre homens e mulheres, em especial nas relações conjugais. Essa é denominada de violência de gênero, cuja base está na cultura machista, que desvaloriza meninas e mulheres e autoriza o homem a agredir, a violentar e a matar. A impunidade dos agressores reforça o ciclo de violência.
Em segundo lugar, constata-se o simplismo da análise do delegado, ao tratar de um fenômeno complexo como é a violência urbana. Inúmeros estudos mostram que o crime organizado, o tráfico de drogas e o acesso facilitado às armas de fogo estão associados ao aumento da violência, que tem dizimado especialmente os homens - jovens, negros e pobres - e que o enfrentamento desta realidade exige políticas públicas integradas e contínuas, com base no conhecimento das causas determinantes desse fenômeno.
Precisamos contar com fontes de registros que produzam informações consistentes e atualizadas, bancos de dados que dialoguem entre si, investigações que explicitem as interrelações por trás dos homicídios, análises que levem em conta a complexidade social do fenômeno. A saúde tem sido uma fonte importante, em especial o Sistema de Informações de Mortalidade – SIM, porque padronizou conceitos e metodologias de registro, controle, e produção de indicadores que permitem comparar localidades diferentes. Até o momento a maior dificuldade no Paraná tem sido o acesso aos registros oficiais da Secretaria de Segurança que armazena os Boletins de Ocorrência e laudos do IML.
Precisamos de novos corações e mentes – na academia, nos movimentos sociais, nos órgãos públicos, nos meios de comunicação - para que tenhamos políticas públicas baseadas no conhecimento dos nexos causais da violência e não em avaliações carregadas de preconceito.
Assinam: Rede Feminista de Saúde e DSR/PR; Rede de Mulheres Negras /PR; União Brasileira de Mulheres/PR; Espaço Mulher ; ABEN/PR e outras ..............- Curitiba, 10 de maio de 2012. Aberto a adesões.
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