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terça-feira, 15 de maio de 2012

São Paulo pode perder recursos do SUS se Lei da Dupla Porta for aprovada pela Justiça nesta terça


O destino da lei 1.131/2010 está nas mãos dos desembargadores Vera Angrisani, José Luiz Germano e Cláudio Augusto Pedrassi, do TJ-SP.


Os desembargadores José Luiz Germano, Cláudio Augusto Pedrassi e Vera Angrisani, da Segunda Câmara de Direito Público do TJ-SP, julgarão  nesta terça-feira o recurso do governo paulista contra a decisão do juiz Marcos de Lima Porta, da 5ª Vara da Fazenda Pública, que derrubou a lei nº 1.131/2010.
A Lei da Dupla Porta ou dos fura-fila no SUS, como é conhecida, permite aos hospitais públicos geridos por Organizações Sociais de Saúde (OSs) vender até 25% dos seus leitos e outros serviços a planos privados de saúde e particulares.
Contra ela, unanimemente, dezenas de movimentos e entidades de saúde, entre os quais os conselhos municipal, estadual e nacional de Saúde e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). A sua aprovação pelo TJ-SP chancelará nova etapa de privatização da saúde no município e no Estado de São Paulo.
Tanto que, nos últimos dias, ouvi vários especialistas questionarem: caso a lei 1.131/2010 seja pelo TJ-SP, será que o repasse de recursos do SUS não deve ser suspenso para os hospitais que a adotarem?
Explica-se. O artigo 196 da Constituição Federal, de 1988, diz que as despesas com ações e serviços de saúde somente podem ser destinadas a atendimento com acesso universal e igualitário.
A Constituição do Estado de São Paulo veda, inclusive, de maneira expressa, a cobrança de qualquer tipo de taxa, encargo, pagamento.
A Lei Complementar 141/2012, que regulamentou a Emenda Constitucional 29, aprovada no final do ano, diz em seu artigo 2º:
Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes: I – sejam destinadas às ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito (grifo nosso).
Já o artigo 4º explicita:
“não constituirão despesas com ações e serviços públicos de saúde, para fins de apuração dos percentuais mínimos de que trata esta Lei Complementar, aquelas decorrentes de: III – assistência à saúde que não atenda ao princípio de acesso universal (grifo nosso);
Ou seja, enquanto a universalidade, a igualdade e a gratuidade estão presentes em toda a Lei Complementar 141/2012, a lei 1.131/2010 vai para o lado oposto. Prevê seletividade, desigualdade e cobrança.
Tanto que a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) contra a Lei da Dupla Porta, aprovada na semana passada, acena com a possibilidade de suspensão de recursos do SUS, caso a lei seja aprovada pelo TJ-SP.
A Resolução do CNS diz:
Conforme a Lei Complementar 141, de 13 de janeiro de 2012, não constituem despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas decorrentes da assistência à saúde que não atenda ao princípio de acesso universal; cabendo, portanto, o entendimento da suspensão de recursos (grifo nosso).
A título de curiosidade, o governo federal repassou à Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo R$ 18.089.050, 38, de 2007 até maio de 2012. Em 2011, foram R$ 3.753.984,60.
“O governo federal poderá suspender transferência de recursos no caso de aplicabilidade dos recursos federais em ações e serviços que não estejam dentro do que venha a ser pactuado”, explica a advogada Lenir Santos, com doutorado em Saúde Pública pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em Direito em Saúde. “Todos os recursos dos hospitais públicos de São Paulo são do SUS, que podem ser federais ou estaduais. Quanto à suspensão de recursos, ela deve ser de acordo com o que preconiza a Lei Complementar 141: não aplicação dos mínimos em saúde e aplicação dos recursos federais em desconformidade com o que vier a ser acordado.”
SENADOR HUMBERTO COSTA E VEREADOR CARLOS NEDER ACHAM LEI INACEITÁVEL
“Essa lei é nociva, inconstitucional”, alerta o médico, ex-ministro da Saúde e senador Humberto Costa (PT-PE). “Se ela for aprovada, vamos lutar nos tribunais, para impedir que ela venha a ser efetivamente adotada.”
“A dupla porta é algo extremamente grave”, argumenta. “Sob hipótese alguma devemos permitir que os hospitais credenciados pelo SUS possam ter o direito de abrir uma segunda porta para os planos de saúde. As experiências já vividas em relação a isso foram extremamente negativas. Vimos usuários do SUS receberem tratamento totalmente diferenciado em relação àqueles que não eram vinculados ao SUS.”
O médico especialista em Saúde Pública e vereador Carlos Neder (PT-SP), ex-secretário de Saúde de São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina, também considera inaceitável a aprovação da lei 1.130/2010.
“Um retrocesso monumental”, avalia Neder. “Além de ser inconstitucional devido ao risco de promover acesso, instalações e tratamento diferenciados, a situação se agrava quando aplicada em unidades de saúde sob gestão de OSs, que  são uma caixa-preta e vivem à custa do dinheiro público, já que não conseguem captar recursos na iniciativa privada.”
Pior. Os hospitais geridos pelas OSS custam aos cofres do Estado de São Paulo cerca de 50% mais do que os hospitais administrados diretamente pelo poder público. E a maioria deles está no vermelho.
Levantamento feito pelo Viomundo no ano passado demonstrou que tinham os hospitais públicos de São Paulo gerenciados por OSs  tinham um rombo acumulado de R$147,18 milhões.
Não são os únicos problemas.
“O argumento de que a entrega de até 25% dos leitos a planos vai ajudar a resolver o problema de financiamento do SUS é questionável”, detona Neder. “O que vai, de fato, resultar da aplicação da lei dos  25% é atender aos interesses do mercado de planos privados de saúde, que se beneficiará dos hospitais próprios do Estado.”
“Eles afirmam que não haverá um tratamento discriminatório em favor dos pacientes beneficiários de planos privados de saúde”, observa Neder. “Mas todos nós sabemos que isso não é o que já vem ocorrendo. Pacientes com problemas idênticos serão diagnosticados e tratados em tempos diferentes. A ‘fila’ dos pacientes de planos privados de saúde vai ‘andar’ muitíssimo mais rápida que a ‘fila’ dos usuários do SUS”. Infelizmente!
SUSPENSÃO DE REPASSE E ABERTURA DA CAIXA PRETA DAS OSS
O tema suspensão de recursos é espinhoso. Nos últimos dias, como disse no início, ouvi especialistas fazerem a pergunta se deveria haveria interrupção de recursos federais, caso a lei 1.131 for aprovada pelo TJ-SP. Vários defendem a suspensão de repasse. O que significa que São Paulo poderia perder recursos.
Aí, perguntamos:
* Considerando que os hospitais públicos com dupla porta, gerenciados ou não por OSs,  descumprem os requisitos do SUS de universalidade, igualdade e gratuidade, será que o governo federal vai continuar carreando recursos para a cidade e o Estado de São Paulo sem nenhuma contestação?
Afinal, com a aprovação da lei 1.131/2010, estará destinando até 25% dos leitos à iniciativa privada, seja por meio da atuação de profissionais autônomos, seja por meio dos planos privados de saúde.
* Será que não está na hora de se debater essa questão para valer para o bem da população?
Afinal, como bem observou a mais recente Resolução do Conselho Nacional de Saúde, cabe o entendimento de suspensão de recursos.
* Será que se o Ministério da Saúde e o governo federal como um todo colocassem a saúde da população paulistana e paulista acima do interesse político de manter a convivência pacífica com o prefeito Gilberto Kassab (PSD-SP) e, por decorrência, com o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), que são aliados  na capital, todos nós não sairíamos ganhando?
Agora, é preciso coragem para tomar essas atitudes. Será que terão?
Paralelamente, é preciso que o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), do Ministério da Saúde, e a Controladoria Geral da União (CGU) tornem públicas suas auditorias a respeito da participação das OSs na gestão do SUS em São Paulo, capital e Estado. É preciso que digam o que detectaram, que providências tomaram e no que resultaram. É o único jeito de começar a abrir a caixa-preta das OSs aqui e evitar que uma nova lei consolide o processo de privatização do SUS em São Paulo.

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