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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Artigo Doutor Rosinha: Femicídio


“A tentativa de matar uma mulher por parte de um homem por razão de gênero tem nome, é tentativa de femicídio, e assim tem que ser denominado”


Doutor Rosinha no Congresso em Foco

No início deste mês, li no site do diário argentino Página 12 o artigo “La sentencia que le puso nombre al femicidio”. A matéria trata da condenação de um homem que tentou matar a ex-esposa.
Nunca antes havia visto a palavra “femicídio” (ou “feminicídio”) ser usada na afirmação de uma condenação, o que me despertou interesse. Fui buscar mais informações, e, entre os poucos sítios que acessei na internet, a melhor definição que encontrei é a da Wikipédia espanhola, que traduzo: “o feminicídio ou femicídio é um neologismo criado pela tradução da palavra inglesa ‘femicide’, que se refere ao assassinato evitável de mulheres por razões de gênero”.
O femicídio é usado para abordar não só a violência de gênero (contra a mulher), mas também outras formas, como, por exemplo, a falta de atenção médica durante a gravidez e o parto, caso isso acarrete a morte da mãe; os assassinatos por honra; e, na China e na Índia, o aborto seletivo de meninas – quando o femicídio ganha a forma de infanticídio.
Em 16 de novembro de 2009, em uma sentença considerada exemplar, sobre o assassinato de jovens mexicanas na Ciudad Juarez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos definiu o femicídio como o “homicídio de mulher por razões de gênero”.
De volta à matéria do Página 12, o texto relata que, em 2 de agosto de 2010, Javier Weber, de 53 anos, colocou uma peruca, gorro e usando uma bengala, para parecer mais velho, foi até a porta da escola onde sua ex-esposa ia deixar as filhas, fruto do relacionamento que tivera com ele. Disfarçado, chegou até ela e falou: “Disse que ia te matar, filha da puta”. Apoiou um revólver sobre o peito da mulher e deu três tiros. Apesar da gravidade das lesões ela sobreviveu.
A sentença para esse crime foi dada dias atrás e Javier foi condenado a 21 anos de prisão por tentar matar Corina Fernandez. O que chama a atenção é a sentença ser ditada por “tentativa de femicídio”. Faço aqui a tradução de um parágrafo da sentença:
“Não cabe dúvida de que a morte de uma mulher como consequência da violência de gênero constitui uma categoria sociológica claramente distinguível e que tem adquirido especificidade normativa a partir da Convenção de Belém do Pará. Não há razão, em consequência, para não dar-lhe nome e, em tal sentido, cabe assinalar que a conduta de Javier Weber constitui uma tentativa de femicídio, entendendo por tal a morte de uma mulher executada por um homem em razão do gênero.”
Corina disse que chegou a denunciar seu marido 80 vezes, mas as decisões da Justiça sempre foram ineficientes. Ele nunca cumpriu a proibição de aproximação ditada e sempre a ameaçava. Chegou a ser condenado a um ano e meio por não cumprir as decisões judiciais. Dias depois de sair baleou-a.
Fernando Ramírez, Luis Garcia e Ana Dieta de Herrero foram os juízes e a juíza que deram a sentença. Afirmaram que “o femicídio é, em si mesmo, a expressão extrema da violência de gênero enquanto implica a negação da vida” e que a conduta do condenado havia sido “daquelas que constituem o objeto da convenção interamericana para prevenir, sancionar e erradicar a violência contra a mulher”.
Segundo os juízes, Javier Weber “estava decidido a provocar a morte de Corina Fernández em razão de sua condição de mulher”.
“A tentativa de matar uma mulher por parte de um homem por razão de gênero tem nome, é tentativa de femicídio, e assim tem que ser denominado”. É assim que pensa o juiz Fernando Ramírez, mesmo que o femicídio não esteja grafado no Código Penal argentino.
Ainda segundo o juiz Ramírez, o ordenamento jurídico e constitucional da Argentina “não permite desculpas frente à violência de gênero em nenhum caso. Se se entende conceituadamente que a violência está sustentada em uma situação de dominação e desigualdade, de nenhuma maneira se pode justificar uma conduta que a mantenha”, portanto não se deve aplicar nos casos de femicídio nenhum atenuante.
Assim como foi considerada exemplar a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é também exemplar a sentença dada pelos juízes argentinos.
No Brasil, apesar de o país ser signatário da Convenção de Belém e de estar entre os países que tem o maior índice de violência de gênero contra a mulher, que eu saiba, não há nenhuma condenação por femicídio ou tentativa de femicídio.

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