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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

"Companhia modelo", Sanepar tem passivo de meio bilhão


Relatórios da companhia revelam que a previsão de gastos com multas e obras ambientais quadruplicou desde 2009. Em 2012, chegou a R$ 492,3 milhões

na Gazeta do Povo


Chega a quase meio bilhão de reais o passivo ambiental da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), de acordo com o relatório financeiro da empresa. O valor é a soma de multas, de compromissos firmados com órgãos de fiscalização e de obras que a Sanepar prevê fazer para reduzir ou compensar impactos. A pressão ambiental sobre a companhia vem crescendo nos últimos anos e fez o valor quadruplicar de 2009 para 2012, passando de R$ 117,4 milhões para R$ 492,3 milhões – o equivalente a três meses de arrecadação. No mês passado, a empresa foi alvo de uma operação da Polícia Federal por crime ambiental no Rio Iguaçu.
A Sanepar negocia 166 mul­­tas ambientais. Pelo valor original, elas somam R$ 109 milhões. O montante milionário em autos de infração é agravado por situações de multas diárias – aplicadas enquanto a irregularidade identificada pelo órgão ambiental não é solucionada. Problemas no sistema de esgoto em União da Vitória, por exemplo, estão acumulando multas que já superam o valor do investimento necessário para a construção de uma nova estação de tratamento.
Outro lado
Empresa alega que montante citado é o “pior dos cenários”
O valor de R$ 492 milhões citado no relatório financeiro da Sanepar se refere “ao pior dos cenários”, ou seja, caso a negociação de multas em âmbito administrativo com órgãos ambientais não resulte em acordos e, ainda, a empresa seja considerada culpada pelos danos, com agravantes, afirma o diretor de Meio Ambiente da companhia, Péricles Weber.
Ele assegura que no valor não estão incluídos os casos de processos judiciais de natureza ambiental nem termos de ajustamento de conduta (TACs), que exigiriam a realização de investimentos em infraestrutura. A empresa garante que não há obras previstas relacionadas a casos de passivo ambiental. Segundo Weber, o texto do relatório financeiro está impreciso, vem sendo usado repetidamente, sem correção, ano após ano, e deve ser reformulado para a próxima edição.
Contudo, tampouco o valor de R$ 492 milhões é, ainda de acordo com o diretor, o somatório das multas negociadas pela empresa. Os autos de infração representariam R$ 109 milhões – se quitados sem questionamento e pelo valor original. De acordo Weber, os valores de algumas multas aplicadas à empresa foram exagerados. “A multa tem de ser proporcional ao dano e não pode ser arbitrada sem a avaliação do caso”, diz.
Dentre os 109 milhões estão a multa de R$ 45 milhões lavrada pela prefeitura de Londrina no ano passado e a de R$ 13,8 milhões pela prefeitura de Maringá, ambas pelo lançamento de esgoto em córregos, além da recente multa de R$ 35 milhões aplicada pelo Ibama durante a Operação Água Grande. (KB)
Análise
Previsão não significa que obras serão executadas, alertam especialistas
A Gazeta do Povo encaminhou os relatórios financeiros da Sanepar para três especialistas. Wesley Montechiari Figueira, sócio-diretor da RSM ACAL Auditores Independentes, destacou que embora a Sanepar reconheça no documento que há um passivo ambiental, não se sabe quando e se a empresa deverá mesmo destinar R$ 492 milhões para obras compensatórias. “Embora as multas estejam devidamente provisionadas, não está provisionado o evento ‘dispêndio com as obras’, já que não há certeza razoável de que ocorrerá, nem qual é a base”, diz. Ele destaca que não foi feita nenhuma ressalva pelos auditores que avaliaram o relatório.
O professor Antônio Gonçalves de Oliveira, do Departamento de Gestão e Economia da UTFPR, enfatiza que demandas ambientais fazem parte dos riscos inerentes a empresas de saneamento. Para o professor Luiz Panhoca, da área de Economia e Meio Ambiente da UFPR, o fato de a empresa divulgar o passivo ambiental é um avanço. “Na Europa isso é mais comum, mas por aqui ainda não”, diz.
Contudo, ele pondera que seria interessante se a companhia deixasse clara a fórmula que usou para chegar ao cálculo divulgado. “As origens, causas, locais, tipos de dano, extensão, não se sabe. Falta transparência dos informantes e conscientização da sociedade para exigir seu direito à informação. Danos ambientais podem ser irreparáveis e, pior, não temos a mínima ideia dos valores envolvidos nem como calculá-los”, complementa. (KB)
Clareza
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que fiscaliza os dados financeiros de empresas de capital aberto, diz que a informação fornecida pelas companhias que negociam ações em bolsa – caso da Sanepar – deve ser “completa, neutra e livre de erro”. A CVM analisa os dados e quando identifica que normas não foram cumpridas “adota as medidas cabíveis, considerando principalmente a relevância da irregularidade eventualmente detectada”.
No valor do passivo ambiental reconhecido pela Sa­­nepar no relatório estão também termos de ajustamento de conduta (TACs) – compromissos que a empresa firma com órgãos, como o Ministério Público, garantindo que irá executar obras para melhorar a operação do sistema de tratamento de água e esgoto.
O documento contábil apresentado pela empresa aos acionistas e investidores descreve, ainda, que a Sanepar responde a diversos processos judiciais por motivos ambientais. “Essas questões, normalmente, quando decididas desfavoravelmente à companhia, resultam em condenações que obrigam a mesma a eliminar o suposto problema ambiental causado, por meio de limpeza da área afetada ou execução de alguma obra para corrigir certos efeitos causados pelas suas operações”, informa o relatório.
Adequação
Além de valores previstos por força de pressão externa, a própria Sanepar estipulou que precisa investir em infraestrutura de adequação. O tratamento de esgoto gera passivo ambiental: gases, efluentes e resíduos sólidos. Obras necessárias para reduzir esse impacto foram planejadas pela empresa e incluídas entre o montante devido. Um levantamento interno feito pela empresa há quatro anos revelou que seria necessária, à época, a destinação de R$ 1,2 bilhão para deixar todas as estações de tratamento funcionando plenamente de acordo com a legislação ambiental e com a gestão adequada de resíduos.
A reportagem consultou o relatório financeiro de outras empresas de saneamento do Brasil. Algumas são menos transparentes e não citam possíveis gastos com adequações ambientais. Outras, porém, especificam no documento aos investidores até quais são os principais processos judiciais e autos de infração sofridos pela companhia.
Lucro cresce; investimento em esgoto cai
O lucro líquido da Sanepar vem aumentando em um ritmo que não é acompanhado pelos valores investidos na ampliação da rede de esgoto. Alavancados por dois reajustes sequenciais na tarifa – em 2011 e 2012, na casa de 16% cada – os resultados positivos da empresa apontam para números recordes. Em setembro de 2012, a empresa já deve ter batido o valor do lucro líquido de todo o ano passado.
O investimento na rede de esgoto em 2011 foi menor que em 2010: R$ 207 milhões contra R$ 244 milhões. Com R$ 220 milhões, a previsão de recursos para 2012 também é mais baixa que os valores destinados dois anos antes. De acordo com informações da empresa, a queda no montante dos investimentos se deve ao fato de que nos primeiros meses da nova gestão, iniciada em 2011, não havia projetos prontos para realizar obras.
Ibama aplica multa diária há cinco anos
Em setembro, a Sanepar foi alvo da Operação Água Gran­­de, desencadeada em parceria pela Polícia Federal e pelo Ibama e que considerou a empresa como a maior poluidora do Rio Iguaçu. Na oportunidade, a companhia foi multada em R$ 38 milhões. Foram cumpridos 30 mandados de busca e apreensão em 19 cidades do Paraná para encontrar relatórios internos da empresa sobre o lançamento de efluentes nos rios e o impacto ambiental causado.
Há cerca de cinco anos, a Sanepar não repassa ao Ibama documentos exigidos sobre o tratamento de esgoto. Por conta disso, há 1.800 dias a companhia tem sido autuada, com multa diária no valor de R$ 20 mil. A PF indiciou 30 integrantes da cúpula da companhia por crimes ambientais e estelionato. No tocante ao tratamento de esgoto, a Sanepar foi classificada pela PF como “empresa de fachada”.

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