Estudo feito pelo Hospital Universitário da USP avaliou mortalidade por doenças do coração na cidade de São Paulo entre 1996 e 2010
Mariana Lenharo - O Estado de S.Paulo
A mortalidade por doenças cardiovasculares tem diminuído desde 1996 na cidade de São Paulo. Porém, entre os moradores de regiões mais pobres, a diminuição tem sido menor que a verificada em regiões de maior renda. O levantamento faz parte de um estudo publicado em junho na revista científica International Journal of Cardiology.
A pesquisa levou em conta 197.770 mortes atribuídas a doenças cardíacas entre 1996 e 2010. Enquanto a diminuição média anual desse tipo de mortalidade foi de 4,1% entre os homens de regiões ricas, para os homens de áreas pobres essa diminuição foi de 2,5% no mesmo período. Entre as mulheres, essa diferença foi menos expressiva: as mais ricas tiveram uma queda anual na mortalidade de 3,7%. Já as mais pobres tiveram redução de 3%.
O principal autor do estudo, o médico Paulo Lotufo, coordenador da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, diz que a conclusão do estudo contrasta com a visão antiga de que "doenças cardíacas eram doenças de rico". Para ele, duas hipóteses podem explicar o fenômeno: a desigualdade de atendimento médico na cidade e a diferença entre os hábitos das populações de classes sociais distintas.
"Como a maior parte dos casos é de infarto, depende muito do tempo que a pessoa leva para chegar ao hospital. A questão do acesso é muito importante", diz Lotufo. Além da rapidez até a unidade de saúde, é essencial que os profissionais tenham competência para fazer o diagnóstico e tomar a conduta correta no menor tempo possível. "Se observarmos os hospitais de referência, vamos ver que estão quase todos nas regiões ricas. A evolução no tratamento não é distribuída igualmente."
Para Lotufo, o estudo pode servir como base para o desenvolvimento de políticas públicas para que os novos conhecimentos sobre as doenças possam ser usufruídos por todos.
O cardiologista Leopoldo Piegas, do Hospital do Coração (HCor), concorda. Para ele, é evidente que os recursos de saúde são mais abundantes na área central do que na periferia de São Paulo. "Pensando apenas nos recursos que o governo dispõe, as pessoas que têm mais condições financeiras certamente se tratam melhor."
Para o cardiologista Carlos Costa Magalhães, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), a alimentação das pessoas de menor renda é um fator importante para a maior mortalidade cardiovascular nessa faixa. Segundo ele, as classes sociais mais baixas passaram, recentemente, de uma situação de desnutrição para uma situação de sobrepeso e obesidade.
"As pessoas que antes não tinham condição econômica de se alimentar, passaram a ter; a desnutrição praticamente desapareceu. Mas elas passaram a ter um hábito alimentar inadequado", diz Magalhães.
Ele acrescenta que o estímulo à alimentação mais saudável - com menos sal, menos gordura e mais verduras e legumes - deve estar presente nas políticas públicas municipais, estaduais e federais. "Se resolvesse essa questão dos exercícios físicos e corrigisse a dieta, cairia a incidência de sobrepeso e obesidade. Consequentemente, cairiam também as doenças cardiovasculares", completa.
Secretaria aponta maus hábitos como os responsáveis
A Secretaria Municipal de Saúde comentou a crítica apontada na pesquisa de que a diferença da mortalidade por doenças cardiovasculares entre as regiões de alta e de baixa renda refletiria a má distribuição do atendimento médico na cidade. Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a pasta afirmou que há fatores culturais e sociais inerentes à população de baixa renda que podem ter influenciado os resultados do estudo.
“Os hábitos sociais e de prevenção de saúde, além de alimentação diferente, sedentarismo, baixo consumo de frutas e vegetais e consumo de tabaco maiores nas populações de baixa renda devem ser considerados predominantes no resultado do estudo”, diz a nota da secretaria.
A secretaria também chama atenção para o fato de que a maioria de suas Unidades Básicas da Saúde (UBS) opera em regiões com maior número de dependentes do Sistema Único de Saúde (SUS): 34 na região centro-oeste, 86 na norte, 90 na sudeste, 113 na leste e 118 na sul.
“A implantação de novos serviços da rede municipal, aliás, é feita com base no Índice de Necessidades em Saúde (INS), que aponta as áreas com maiores necessidades em saúde, de acordo com indicadores de saúde e dados epidemiológicos”, diz a nota. A secretaria afirma, ainda, que o trecho do estudo que se refere à desigualdade no atendimento médico entre regiões de alta e de baixa renda tem um caráter “especulativo”. / M.L.
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