Vítimas de médicos que cobravam por parto no SUS relatam que eles só faziam procedimento – custeado pelo governo – após pagamento particular
Chico Siqueira - ESPECIAL PARA O ESTADO
Famílias vítimas de médicos que cobravam por cesárias e laqueaduras feitas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no interior de São Paulo contam que os profissionais se recusavam a fazer os procedimentos se não tivessem o pagamento em mãos. Nesta semana, o Ministério Público Federal pediu a prisão preventiva de oito médicos envolvidos no esquema.
Um dos casos mais emblemáticos é o da família da diarista Marlene Oliveira Santos Lopes, de 46 anos, que não tinha R$ 1,4 mil para pagar a cesariana da filha, Edna Tatielle Lopes. O neto de Marlene, Deryc, só nasceu depois que o MPF determinou ao hospital que fizesse uma cirurgia de emergência. Após esperar durante nove dias, Edna deu à luz um bebê com paralisia cerebral e hidrocefalia.
"Ele deveria ter nascido em 20 de julho, mas só foi retirado no dia 29 – e isso porque recorremos ao MP", conta Marlene. Segundo ela, a gravidez era de risco e havia vazamento de líquido amniótico, mas mesmo assim os médicos recusaram a fazer o parto porque a família não tinha dinheiro para pagar o pacote de R$ 1,4 mil, depois reduzido para R$ 1,2 mil.
"Eles diziam que sem dinheiro não tinha cesariana", contou. Marlene tentou vender a própria casa, mas não encontrou compradores. "Queria salvar meu neto, mas ninguém tinha dinheiro nem para nos emprestar." Quando a família percebeu que não havia outro jeito, a gestante foi internada e o MP, acionado.
Mas o pior só foi descoberto mais tarde. "Os médicos diziam que o bebê estava bem. Mas depois, quando ele já tinha 1 ano, percebemos que não se sentava, não andava. Fizemos uma tomografia e apareceram os problemas." Em 2012, Edna e o marido se mudaram de Jales para São José do Rio Preto para dar um tratamento melhor para Deryc, de 3 anos. "É muito difícil passar pelo que passamos só porque somos pobres."
Pressão
Outra vítima do esquema que funcionava havia 15 anos em Jales, Urânia e Estrela D´Oeste foi a estudante Joice de Lima Pereira, de 17 anos. "Tentamos de tudo, pedimos muito ao médico, mas ele foi irredutível. Minha família fez muita pressão, e quando ele decidiu fazer a cesariana minha filha estava morta", conta Joice, com as roupinhas da filha, Isadora, sobre a cama.
Joice deu entrada no hospital em 26 de julho, mas só em 1.º de agosto os médicos fizeram o parto. "O médico e a enfermeira sabiam que minha filha já estava morta", afirma. "Eu vi quando a enfermeira disse a ele que não ouvia mais o coraçãozinho da minha filha. Eu não entendo por que eles deixaram acontecer isso comigo, não entendo." O médico que atendeu Joyce é um dos que tiveram a prisão pedida.
No caso da camareira Viviane Scotto da Silva, o pagamento de R$ 600 garantiu uma cesariana segura. "O primeiro pacote que me ofereceram era de R$ 19, mil. Depois, caiu para R$ 1 mil e mais R$ 1 mil de laqueadura. Mas eu ainda não podia pagar. No final, eles me transferiram para uma cidade vizinha e fizeram a cesariana por R$ 600. Fiquei sabendo que também receberam uma quantia do SUS", conta Viviane.
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