Cartão SUS já consumiu R$ 400 milhões, mas faltam soluções para sistema operar até 2014
Alessandra Duarte e Roberto Maltchik no Globo
Idealizado há mais de 12 anos e com investimento que já alcança R$ 400 milhões, a implementação do Cartão SUS, com a integração das informações de pacientes do Sistema Único de Saúde(SUS), não deve ser concluída até o fim do governo Dilma Rousseff. OMinistério da Saúde insiste que entregará o sistema integrado na atual gestão. Mas a própria pasta reconhece que só 500 dos 5.568 municípios têm gestão em rede informatizada. E o Planalto ainda não fechou a solução tecnológica - muito menos o orçamento - para oferecer às prefeituras conexão para rodar o sistema em rede.
Ao Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério da Saúde afirmou que essa operação só estaria concluída em 2016. Mas a implementação do sistema, dizem especialistas em informação em Saúde, pode levar mais oito anos. O Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) calcula, numa hipótese otimista, que o sistema vai operar plenamente dentro de seis anos.
Após anos de planejamento desgovernado e desperdício de dinheiro público, o que há hoje é a disseminação do cartão de PVC com um número de usuário. E a promessa de lançar em abril um software, chamado de E-SUS, para oferecer aos municípios um sistema de informações dos usuários compatível com a base de dados nacional. Mas nada foi resolvido sobre como fazer o programa rodar.
- Temos 180 milhões de pessoas com o número do cartão. E 31 milhões de usuários das operadoras de saúde com o cadastro checado. Porém, o grande desafio do Cartão SUS será a conectividade. Sem conectividade, não tem Cartão SUS, não tem sistema, não tem prontuário - ressalta o secretário de Gestão Estratégica do Ministério da Saúde, Odorico Monteiro de Andrade.
A revolução prometida no Cartão SUS viria do controle sobre os procedimentos e da informação gerada para as políticas do setor, além da autonomia oferecida ao paciente. O número "jogaria" o histórico dos usuários na web, com acesso disseminado nas unidades de saúde. O diagnóstico seria mais rápido e a repetição desnecessária de exames ficaria para trás. Mas esta etapa ainda é um sonho distante.
- É só a identificação do usuário que se tem agora. Essa integração dos dados sobre o que cada paciente fez vai ser a última coisa que vão conseguir - avalia o coordenador do Laboratório de Informação em Saúde da Fiocruz, Francisco Viacava.
Ao ministério, falta integrar os sistemas de internação hospitalar e ambulatorial ao Cadastro do SUS (Cad-SUS) e dotar as prefeituras de estrutura e capacitação para operar a rede descentralizada. Ao Planalto, porém, falta o esquema que levará banda larga a cerca de 35 mil unidades básicas de saúde e seis mil hospitais. Ou pelo menos aos servidores de rede que podem reunir dados de diferentes unidades em uma mesma cidade.
- O que há por enquanto é um número, e serve para pouquíssima coisa. Quando você chega para ser atendido, muitas vezes nem é solicitado - afirma a professora da UFRJ Ligia Bahia.
O presidente do Conasems, Antônio Carlos Nardi, explica que o Programa Nacional de Banda Larga será essencial para integrar as unidades de saúde ao E-SUS. Mas o modelo dessa inserção ainda está em análise no governo. Segundo Nardi, secretário de Saúde de Maringá (PR), a implantação do cartão em todas as cidades deve levar no mínimo seis anos:
- Implantamos o cartão com registro eletrônico, todas as unidades integradas, ano passado, a um custo de pelo menos R$ 8 milhões. Levamos seis anos para isso. Então, sendo muito otimista, já que muitas cidades não têm o porte ou os recursos de Maringá, posso dizer que vai levar no mínimo mais seis anos para implantar o Cartão SUS em todo o país.
Em 2011, o ministério anunciou com pompa a "refundação" do Cartão SUS, após uma década de atraso, produção de sistemas incompatíveis e denúncias de malversação de recursos. Porém, em abril de 2012, ao analisar o cronograma de ações do ministério, o TCU constatou "que o plano de ação apresentado não possui detalhamento adequado" e que "não há definição de responsáveis nem estimativa quanto aos custos e recursos necessários".
O TCU analisa os riscos ainda existentes no processo. E destaca o problema da conectividade nos municípios: "ainda não são totalmente conhecidas e tratadas as restrições que o sistema terá nos municípios mais distantes dos grandes centros urbanos, onde há restrições tecnológicas ao acesso à internet".
- A falta de um sistema integrado acarreta desde o desperdício na aquisição de medicamentos e aparatos tecnológicos até a deficiência nas rotinas de prestação de serviços, além de dificultar a execução de pesquisas - analisa Virgínia Bentes, professora de Ciência da Informação da Universidade Federal do Ceará.
Duplicidade de cadastros
Faltam também as soluções para garantir a segurança de informações pessoais dos usuários e inibir fraudes contra o Cartão SUS. Sem contar o risco da repetição da gestão problemática na década passada. Relatório produzido pela Controladoria Geral da União (CGU) lista problemas ao longo do projeto de 2000 a 2010. Em visitas de auditores a cidades que participaram da primeira fase de implantação do Cartão SUS, a CGU encontrou equipamentos "em situação de sucata, inutilizados" ou "amontoados em caixa". Já diagnóstico de 2008, pedido à FGV, apontava que "136 milhões de cadastros (...) se imagina pertencerem a 100 milhões de usuários", indicando "duplicidade de cadastros".
- Observei várias situações no cotidiano da Saúde onde a privacidade pode ser violada, como "empréstimo" de cartões dos profissionais ou compartilhamento de senhas de acesso - afirma Ilara Hämmerli, pesquisadora da Fiocruz que integra o grupo que define o tipo de informação que deve entrar no registro eletrônico do sistema do Cartão SUS.
Segundo Ilara, ainda há riscos "que podem contribuir para aumentar a lista de insucessos, com mais desperdício de recursos públicos". Por exemplo, gestores de saúde que se consideram atendidos pelos sistemas atuais, e se preocupariam com os gastos com equipamento e pessoal para o cartão.
Além do já gasto em anos anteriores, em 2012, destaca o TCU, o Orçamento previa R$ 287 milhões para a ação do cartão. Os recursos serviriam para capacitar equipes e checar a lisura do cadastro nacional de usuários, além da aquisição dos cartões de PVC. Mas só 7% foram executados até dezembro, segundo o Portal da Transparência. Entre 2000 a 2011, a União projetou investimento de R$ 732,22 milhões. Até agosto de 2010, 43,42%, tinham sido executados.
Criar um registro integrado de informações que acompanhe o paciente ao longo da vida foi o que fez a Grã-Bretanha, tida como exemplo em sistema de informação para a saúde. Lá, toda criança que nasce recebe, já na maternidade, um número único de identificação do sistema de saúde pública, sublinha Guilherme Hummel, engenheiro especializado em sistemas de informação, há mais de 17 anos consultor de empresas privadas em tecnologia de informação em saúde.
- Se hoje a União tomar medidas mandatórias, ou seja, condicionar a adequação de estados e municípios a repasse de verba, por exemplo, acredito que podemos ter esse sistema funcionando integrado por volta de 2020. Ou, pelo menos, garanti-lo a todas as crianças que nascerem a partir de 2020 - destaca Hummel.
A integração de dados vai servir também para a comunicação entre as redes pública e privada. As carteiras dos planos deverão ter o número do cartão. Com isso, o governo poderá saber melhor quais pacientes de planos privados foram atendidos na rede pública e os procedimentos que realizaram. Esse procedimento gera ressarcimento dos planos ao SUS, que nos últimos dois anos somou R$ 152,14 milhões. Dinheiro que, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, seria "suficiente para construir 41 UPAs, ou realizar mais de 270.000 partos normais, ou promover mais de 4.000 transplantes de coração, ou adquirir mais de 1.300 ambulâncias do Samu".
"O desafio será a conectividade. Sem ela, não tem Cartão SUS, não tem sistema, não tem prontuário"
Odorico Monteiro
Secretário de Gestão Estratégica do Ministério
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