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sábado, 26 de janeiro de 2013

Internação compulsória causa pouco impacto

Na primeira semana em que o governo de São Paulo estimulou a retenção obrigatória de dependentes químicos, somente 18 pessoas foram encaminhadas para o tratamento, apesar da grande procura por ajuda. 


Especialistas criticam falta de infraestrutura 


GRASIELLE CASTRO no Correio Braziliense


Marcada pela polêmica sobre a internação compulsória e a restrição da liberdade, a primeira semana da nova ação de combate ao crack adotada em São Paulo surpreendeu. O baixo número de retenções - 18 entre voluntárias e involuntárias -, a demora na disponibilização de leitos e a alta procura de pessoas em busca de tratamento para parentes indicam que o estado ainda precisa se preparar melhor. Especialistas alertam que a política de incentivo à internação não é a melhor solução para a epidemia do entorpecente e que faltam ações de acolhimento a essas famílias fragilizadas pela degradação dos dependentes químicos.

A crença na solução por meio da hospitalização causou polêmica nos primeiros dias da medida na capital paulista. Entidades de direitos humanos argumentam que a ação tem caráter de "limpeza social" e não preserva as pessoas como cidadãs. A vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia, Clara Goldman, reforça que existem outras maneiras de tratar o dependente químico. "Acreditamos em uma rede de acolhimento ao usuário capaz de mediar a relação entre a política pública e a necessidade efetiva dos que fazem uso da droga. Nossa preocupação é que essa política paulista permita a violações aos direitos", esclarece Goldman.

O receio, segundo a vice-presidente, é que a ação abra espaço para que pessoas sejam retiradas à força das ruas. "Somos extremamente contrários à faxina social. Sabemos que casos graves, em que há risco de morte, existem, mas cada um tem de ser analisado." Clara destaca ainda que o Sistema Único de Saúde não dispõe de uma estrutura eficiente. "Não ampliou oferta junto da demanda", critica. Nesta semana, por exemplo, um paciente teve de esperar mais de 24 horas para ser internado por falta de leito.

Para Cid Filho, a nova política teve a capacidade de mostrar à sociedade a dimensão do problema do crack e foi surpreendente a quantidade de pessoas que procuraram ajuda no Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod). "Não sabemos precisar o quanto, mas a demanda cresceu. Lidamos com pessoas desesperadas diariamente. Tem caso de mãe que levou a filha viciada grávida de quatro meses para ser internada, tem pessoas que aparecem voluntariamente e aqueles que vão pedir ajuda, estão em busca de parentes desaparecidos. Percebemos que há uma carência, falta de orientação às famílias e aos dependentes", explica.

O problema, segundo Filho, é que as pessoas chegam ao centro com o pensamento de que a internação é a única solução. "Mas não é simples assim. A pessoa não chega e é internada imediatamente. Primeiro, é preciso recomendação médica e só a hospitalização não resolve", desabafa. A próxima semana deve começar com mudanças no Cratod, como reforço de pessoal para o atendimento.

Exemplo

Ainda assim, municípios paulistas e alguns estados já procuram inspiração na nova medida. A partir da próxima semana, o plantão judicial do Cratod, onde é feita a triagem dos dependentes, receberá a visita de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de outras cidades. Segundo o presidente da Comissão Antidrogas da OAB e representante da entidade no plantão judicial, Cid Vieira de Souza Filho, existe uma disposição em exportar a experiência. "Recebi solicitações para falar sobre essa primeira semana no interior. Terça estarei em Sorocaba para conversar com outros advogados e representantes do Tribunal de Justiça", detalha. Apesar de já ter assumido oficialmente a necessidade de tomar frente diante da epidemia do crack aderindo, inclusive, ao programa federal Crack, é possível vencer, o Distrito Federal, segundo a Secretaria de Saúde, descarta adotar a medida.

Protestos e debates 
Recentemente, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, anunciou que pretendia estender aos adultos a internação compulsória adotada para crianças e adolescentes viciados em crack na cidade. A decisão gerou protestos e debates sobre o dependente químico ter ou não condições de tomar decisões sobre o melhor para ele. A precariedade dos abrigos e a falta de infraestrutura para receber os viciados também foram criticadas. A prefeitura recuou da decisão temporariamente.

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