Desde que cheguei a Belo Horizonte, fui tomada de paixão irrefreável pelos pratos da culinária mineira roceira, muitos chamados "comida de pobre", como bambá de couve, canjiquinha com costelinha de porco e frango caipira com ora-pro-nóbis. Certa vez, fui a um restaurante com uma amiga mineira, dessas que adora comer bem e que come qualquer coisa com a "boca boa". Assim eu pensava.
Avancei: "Então, frango com ora-pro-nóbis?". Outra negativa: "Xi, comi no Festival do Ora-pro-nóbis em Sabará. Uma vez por ano é o meu limite! Ora-pro-nóbis, a dita carne de pobre, lembra a vovó. Arre! Taioba refogada também. Odeio!".
Estava esfriando, não me dei por vencida, emendei: "Que tal bambá-de-couve?" A ira tomou conta dela: "Demais da conta, amiga! Convida pra comer num lugar bom desses só pra lembrar o quanto já fui pobre? Odeio essa coisa de comida de pobre. Bambá de couve é tudo o que jamais colocarei na boca, nem que viva cem anos! E sabe por quê? Passei a minha infância toda comendo isso purinho no jantar, sem um pedacinho de carne ou de linguiça! Se a gente é o que come, eu sou couve pura!".
Disse-lhe que, não se sabe desde quando, bambá de couve é enriquecido com linguiça ou costelinha. E passei a discorrer sobre a receita de "couve rasgada com fubá", que é, segundo estudiosos, originária das senzalas das Gerais. Em Ouro Preto, era chamado bambá de couve, cuja receita original tem como ingredientes: um maço de couve manteiga; três dentes de alho picados; três colheres de sopa de óleo (ou um naco de toucinho); um tomate; 1/2 maço de cebolinha verde; quatro colheres de sopa de fubá; sal a gosto (cuidado para não salgar demais, pois a couve é rica em cloreto de sódio!), e dois litros de água. O modo de fazer requer dourar o alho no óleo; depois, juntar o tomate picadinho, a couve rasgada (se cortar, não fica com o mesmo sabor!), a cebolinha verde e o sal. Refogar por uns três minutos. Acrescentar quatro copos de água e deixar ferver. Dissolver o fubá no restante da água e juntar ao caldo com a couve. Cozinhar em fogo baixo por dez minutos. Servir imediatamente.
Enquanto eu falava, o semblante dela ficava mais cerrado, até que explodiu: "Vamos comer picanha na chapa, ou nada! Ou não é também uma comida típica mineira? É. Só que antigamente, para mim, era só dos ricos! E não me venha com esse papo de slow food, que eu não caio nele, não! Comi ecogastronomia mineira na versão pobre de marré deci anos a fio. Enjoei! Enjoei, viu? A primeira vez que comi picanha foi quando recebi meu primeiro salário, aos 13 anos. No açougue, pedi uma picanha. O açougueiro, sabendo que nunca comprávamos picanha, foi rápido na pergunta: pra quem você está comprando essa picanha? É pra patroa da sua mãe? Dei o calado por resposta. Só perguntei quanto era. Desenrolei o dinheiro, paguei e saí".
Entendi. E comemos picanha na chapa. Em casa, já deitada, fiquei a matutar sobre a dita "comida de pobre"... Conclui que gosto muito das comidas de pobre, tão simples, criativas, nutritivas e saborosas que a gente come no sertão. Por exemplo: caldo de ovos, quibebe, torta de maxixe, folhas novinhas e tenras de quiabo com uns farelinhos de carne seca ou de sol (são diferentes!), arroz de toucinho, arroz temperado com abóbora e ovo frito, tripa fritinha... Como gosto! E como e gosto, sempre.
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