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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Especialistas da ONU e OMS criticam internação compulsória de viciados em crack


A internação compulsória de dependentes de crack não é a maneira mais eficiente de se lidar com o problema do vício, segundo especialistas da ONU e da OMS (Organização Mundial da Saúde) ouvidos pela BBC Brasil.

O tema voltou a debate no Brasil em janeiro, quando o governo de São Paulo fez uma parceria com a Justiça para agilizar a internação forçada de casos extremos de dependentes da droga.

"Uma boa cura de desintoxicação envolve tratamento de saúde, inclusive psiquiátrico para diagnosticar as causas do vício, pessoas especializadas e sorridentes para lidar com os dependentes e incentivos como alimentação, moradia e ajuda para arrumar um emprego", diz Gerra.Para o médico italiano Gilberto Gerra, chefe do departamento de prevenção às drogas e saúde do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC, na sigla em inglês), é necessário oferecer aos viciados "serviços atrativos e uma assistência social sólida".

"O Brasil precisa investir recursos para oferecer serviços que funcionem e ofereçam acompanhamento médico completo, proteção social, comida e trabalho para os dependentes", afirma.
De acordo com ele, o Brasil tem bons profissionais no campo do tratamento das drogas, mas faltam especialistas, e a rede médica nessa área é insuficiente.
Segundo Gerra, a internação compulsória deve ocorrer pelo prazo máximo de algumas semanas e só se justifica quando o dependente apresenta comportamento perigoso para a sociedade ou para si próprio.

Acompanhamento

O médico defende o acompanhamento contínuo mesmo após a fase de desintoxicação, como exames de urina para detectar drogas nas pessoas que receberam auxílio para arrumar um emprego ou a presença de assistentes na hora das compras no supermercado para fiscalizar se o cupom de alimentação recebido é realmente utilizado com essa finalidade.
Autor do documento "Da coerção à coesão: tratando a dependência às drogas por meio de cuidados à saúde e não da punição", do UNODC, Gerra diz que o tratamento do vício do crack não é feito com remédios e sim com acompanhamento psicológico e psiquiátrico.
Ele afirma ainda que os países democráticos devem "estar atentos" ao sistema de internação compulsória para não transformar isso em uma "rede" de tratamento para lidar com o problema.
Para o médico australiano Nicolas Campion Clark, da direção do abuso de substâncias da Organização Mundial da Saúde (OMS), a internação compulsória traz o risco de "criar uma barreira com o dependente" e afetar sua confiança, dificultando, portanto, o tratamento.
Clark afirma que muitos países possuem legislações que autorizam a internação compulsória de dependentes, mas "isso é usado raramente e não funciona realmente na prática".
"É melhor encorajar o sistema voluntário de tratamento. É difícil forçar alguém a se tratar. Se você oferecer uma chance para as pessoas se recuperarem e terem comida, alguns vão agradecer, outros vão querer voltar para onde estavam", afirma.

Problemas múltiplos

O especialista da OMS também afirma que o vício do crack envolve problemas múltiplos (psicológicos e sociais) que devem ser tratados com ações em várias áreas além da médica, como moradia, alimentação, assistência geral e programas de emprego.
Ele afirma que há exemplos de programas de tratamento voluntário de dependentes em países como os Estados Unidos e a Austrália que "ajudam as pessoas a reconstruir suas vidas e não são apenas soluções temporárias".
O médico cita também o programa brasileiro que permite às grávidas viciadas em crack obter tijolos e materiais para construir casas em troca de tratamento.
"Isso dá instrumentos para que elas façam algo diferente em suas vidas", afirma.
A OMS já criticou o sistema de internação compulsória de dependentes realizado em países asiáticos. "Eles detém pessoas viciadas e estão tratando casos de saúde com a prisão", diz Clark.
A organização publicou um documento no ano passado solicitando aos países para fechar os centros de tratamento compulsório de drogas.
Segundo Clark, pelo menos 90% dos dependentes químicos no mundo não recebem tratamento.

São Paulo

Segundo Rosângela Elias, coordenadora de saúde mental, álcool e drogas da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, as propostas do governo paulista para o tratamento dos usuários de crack estão de acordo com as premissas da ONU e da OMS.
O governo paulista iniciou em parceria com a Justiça no último dia 21 um plantão jurídico em uma clínica especializada no tratamento de dependentes químicos no centro da capital. A medida gerou polêmica e atraiu críticas de ativistas de direitos humanos, contrários à internação forçada e que temiam o uso da polícia para levar viciados para tratamento.
Autoridades do governo passaram a dizer então que a polícia não participaria da ação e que apenas em casos extremos a internação compulsória seria empregada. Até agora, nenhum paciente foi internado por ordem judicial e menos de 10 foram internados involuntariamente (a pedido da família, mas sem ordem da Justiça), segundo Elias.
Mas, a exposição na mídia aumentou número de atendimentos voluntários nessa clínica. "Passamos a atender até 120 pessoas em um dia. Esse era o número de pessoas que recebíamos em uma semana", disse Elias.
Segundo ela, o Estado mantém ainda cerca de 300 vagas em moradias assistidas. Nelas, o viciado em crack em processo de desintoxicação recebe por até seis meses um local para morar, alimentos e incentivos para voltar ao mercado de trabalho.
Nesse período, também é incentivado a frequentar clínicas públicas especializadas onde recebe atendimento clínico e psicológico. De acordo com Elias, há uma mobilização de secretarias estaduais e municipais para ajudar o dependente químico em recuperação a se reinserir na sociedade.

Um comentário:

  1. (...) Segundo Gerra, a internação compulsória deve ocorrer pelo prazo máximo de algumas semanas e só se justifica quando o dependente apresenta comportamento perigoso para a sociedade ou para si próprio.(...)

    Então, ele não é contra a internação compulsória, só defende que não dure por prazo indeterminado e que seja seguida do necessário acompanhamento. O problema brasileiro é muito grave pelo fato de muitos viciados também serem parte de grupos totalmente marginalizados e excluídos, que não contam com famílias estáveis para poderem se recuperar fora das ruas com relativa tranquilidade. São pessoas que além de viciadas não têm como se sustentar, pois não conseguiriam um emprego formal com facilidade e não têm provedores. Como resolver isso? Creio que têm que investir muito e tentar buscar o melhor sistema de tratamento possível, mas não é um problema isolado: está ligado à exclusão social, que é o problema principal, a meu ver, cuja solução demanda também recursos e tempo.

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