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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Fátima Oliveira: Os governos e as mortes preveníveis


Fátima Oliveira, no Jornal OTEMPO (reproduzido no Vi o Mundo)
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

O legado das mortes e das morbidades no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria (RS), no último 27 de janeiro, é que mortes preveníveis e evitáveis devem ser uma obsessão para o poder público, em todos as esferas de governo.

Prevenir perda de vidas consiste em adotar medidas exteriores ao serviço de saúde para evitar doenças e mortes. O conceito de morte evitável se firmou, vem evoluindo e tem sido objeto de estudo de diferentes pesquisadores, desde a década de 1970, na Universidade de Harvard (EUA), com os trabalhos pioneiros de Rutstein, Berenberg et al, para quem “mortes evitáveis são aquelas que poderiam ter sido evitadas (em sua totalidade ou em parte) pela presença de serviços de saúde efetivos”.

Mortes preveníveis e mortes evitáveis são aquelas precoces (antes do tempo), que não deveriam acontecer se os governos cumprissem a parte que lhes toca. A regra tem sido a omissão e a esquiva em assumir responsabilidades, tanto as atribuídas pela Justiça quanto aquelas que o sentimento humanitário indica…
Na catástrofe de Santa Maria, o digno de nota foi a postura da ética da responsabilidade do governo da presidenta Dilma em todos os sentidos.

Não posso deixar de fazer um paralelo com o incêndio do Canecão Mineiro, em BH – 1.500 pessoas, das quais sete morreram e 197 ficaram feridas; pelo menos, o triplo foi atendido no João XXIII, Hospital Odilon Behrens e Hospital das Clínicas da UFMG. Eu estava de plantão naquela noite, 24.11.2001. Foi terrível. Não encontro palavras para descrever. Como médica, aprendi muito, naquela noite e na semana subsequente, sobre atenção à pneumonia química.

O Canecão Mineiro era uma casa de shows, na região central de BH, de grande porte: comportava 1.500 pessoas, mas não possuía alvará de funcionamento! Não havia saídas de emergência, apenas uma “entrada” e uma “saída” com catracas! A Prefeitura de Belo Horizonte saiu praticamente limpa, e o governo de Minas Gerais sequer foi cogitado como culpado! O prefeito de Belo Horizonte era Célio de Castro, que sofrera AVC em 8 de novembro daquele ano; o governador de Minas era Itamar Franco; e o presidente do Brasil, FHC.

Em 2004, “sete pessoas foram condenadas por homicídio culposo – em que não há intenção de matar – a quatro anos de prisão em regime aberto: o empresário da banda, dois músicos, dois promotores do show e o dono da casa de shows, além do irmão dele”.

Em 2008, as penas foram revertidas em prestação de serviço comunitário: “Dos sete condenados, somente um dos promotores da banda cumpre pena de dois anos e seis meses no Rio de Janeiro. As penas dos outros varia de um ano e seis meses a três anos e um mês de serviços comunitários”.

“Entre todos os feridos e familiares dos mortos na tragédia, somente uma sobrevivente conseguiu indenização na Justiça. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou a Prefeitura de Belo Horizonte a indenizar a mulher em 300 salários mínimos. É a primeira a conseguir reparação judicial pelos danos sofridos”. Não cabe recursos e a sentença está em fase de execução.

Eis no que resultou como justiça a catástrofe do Canecão Mineiro, cujos atingidos estão por aí cuidando de seus dissabores, sequelas físicas e mentais, às suas custas: cada um por si! Depois de Santa Maria ou estabelecemos uma nova cultura do direito à segurança, do direito de ir e vir em segurança, ou a morte de tanta gente na flor da idade terá sido em vão e nos contentaremos em plantar uma sempre-viva para cada morte prevenível e evitável.

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