por René Ruschel na Carta Capital
Os ares na secretaria Antidrogas de Curitiba mudaram.
Criada em 2008 pelo então prefeito Beto Richa, a pasta foi idealizada e
estruturada a partir de uma ótica repressora e policialesca. Basta
observar sua antiga estrutura administrativa. Até 2012, quando Luciano
Ducci, sucessor e aliado de Richa, governava a cidade, os principais
nomes da secretaria eram recrutados no setor de repressão a
entorpecentes da Polícia Federal. Além do secretário, os postos de
comando se dividiam nas diretorias de Planejamento, Operação e
Inteligência.
Ao tomar posse,
em 2013, Gustavo Fruet radicalizou. O novo organograma prevê apenas
três coordenadorias: Prevenção, Tratamento e Ressocialização, além do
setor de Pesquisa e Produção de Conhecimento coordenado por um acadêmico
e médico psiquiatra. O secretário é o cirurgião-dentista Osiris Pontoni
Klamas. O diretor de Política sobre Drogas, na prática o motor da
secretaria, é um ex-dependente químico, Diogo Bussel, advogado de 30
anos, professor e mestre pela Universidade Federal.
Nascido em uma família de classe média
“estruturada, unida e sem maiores problemas de relacionamento”, Bussel
estudou em colégios particulares até se formar em Direito. Aos 12 anos,
na escola, experimentou drogas pela primeira vez. Álcool, cigarro e
depois maconha. Daí em diante não parou mais. Viveu um processo
crescente de dependência. Com exceção dos injetáveis, experimentou de
tudo. Aos 22, no fundo do poço, pediu socorro à família e foi internado
pela primeira vez. “Não aguentava mais aquela vida e pedi auxílio. Fui
para uma clínica e saí ‘limpo’.”
Durou pouco tempo. Bussel voltou a
consumir drogas e resistia ao tratamento. “Imaginava ser capaz de
conviver socialmente com a bebida. Não tinha consciência de que o álcool
é tão grave quanto a cocaína e o crack.” Depois de ser internado pela
terceira vez, o advogado viveu uma experiência que o marcou
profundamente: o nascimento de um filho. “Tive uma luz, uma perspectiva
diferente para a minha vida. Foi quando tomei a decisão de parar com
qualquer tipo de droga, lícita ou ilícita.” Há mais de seis anos não
experimenta nada.
Em
2013, convidado por Fruet, Bussel aceitou o cargo. Era a oportunidade
de pôr em prática uma política mais humana, diferente da repressão e da
violência, na qual o usuário não fosse visto como marginal,
irrecuperável. Por experiência própria, aprendeu ser preciso retirar
essa imensa carga moral sobre os usuários. Para ele, não se trata de um
defeito de caráter. “É um problema de avaliação equivocada. Usam-se
drogas pelas mais variadas razões que não nos cabe julgar.” O julgamento
moral sobre o consumo de determinadas drogas, diz, atrapalha a
formulação de políticas baseadas na comunidade científica, nos direitos
humanos e na própria saúde.
No segundo semestre do ano passado, por
meio de um centro de referência regional, foram treinados mais de 700
voluntários, entre familiares, lideranças comunitárias, servidores da
prefeitura, professores, médicos e psicólogos. O objetivo era
prepará-los para a mudança na política. “Todos de alguma forma estão
ligados ao tema. Sejam os familiares, o servidor público no posto de
saúde, o assistente social ou o guarda municipal que vai abordar um
morador de rua. A mudança exige que os agentes estejam capacitados para
vivenciar a nova experiência.”
No caso do tratamento de
moradores de rua, Bussel considera o programa Braços Abertos, da
prefeitura de São Paulo, um dos mais humanos e eficazes. Segundo ele, o
projeto de internação compulsória aplicado anteriormente na capital
paulista é totalmente equivocado. “O que se viu foi um verdadeiro
arrastão humano na Cracolândia. Os usuários eram levados à força. Quando
saíam das clínicas, retornavam para o mesmo local.” E mais: “Como
privar alguém que está há anos nas ruas, viciado em crack, que pare de
consumir do dia para a noite? É impossível”.
Bussel não se ilude com facilidades.
Reconhece o esforço e a vontade política de Fruet para levar adiante
esse projeto, mas tem noção dos obstáculos. Mudar conceitos, quebrar
barreiras, é tarefa lenta e trabalhosa. A cultura da repressão está
presente em seu dia a dia. Setores minoritários da Guarda Municipal, com
quem divide espaços no próprio prédio onde trabalha, ainda defendem a
truculência como melhor método. Mas ele prefere substituir a crítica
pelo diálogo. Apesar de jovem, Bussel tem o couro curtido pela própria
experiência. “Aprendi que o sentido para estar vivo é justamente ajudar o
próximo.” É esse o norte da política em Curitiba.
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