Abandonados por familiares, pacientes que moraram por décadas em hospitais psiquiátricos buscam retomar a rotina após a internação
Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Longe da família, Teresa Alves, 75 anos, passou 30 internada, mesmo com o diagnóstico superado de bipolaridade
DIEGO ANTONELLI na Gazeta do Povo
Natural da Lapa, Teresa tenta reconstruir a vida fora do ambiente hospitalar. Atualmente, ela mora com outros seis colegas na Residência Terapêutica Tarumã I, também na capital. Se no hospital ela preparava as refeições para os médicos e enfermeiros, hoje passa o café, logo que amanhece, para os convivas. O espaço, mantido pela prefeitura, abriga pessoas com histórico de abandono semelhante ao de Teresa. Todos foram renegados pelos familiares e passaram décadas habitando leitos de hospitais psiquiátricos.
Abrigados
Em Curitiba, existem outras cinco residências que abrigam um total de 44 pessoas que foram “esquecidas” pela família em hospitais psiquiátricos. O Paraná possui 19 espaços com as mesmas características (oito em Campina Grande do Sul e três nas cidades de Cascavel e Maringá).
Teresa conta que assim que saiu do hospital, há dez anos, foi morar na residência. “Aqui eu me sinto em casa. Posso viajar e passear à vontade. Tento viver o que não vivi nos últimos anos.” Todos os passeios são custeados por ela, que recebe um auxílio do governo federal de cerca de R$ 1 mil. “A gente economiza para poder fazer as coisas que nunca tivemos condições”, diz. Atualmente, Teresa não precisa mais tomar remédios para o sofrimento mental.
Os serviços residenciais terapêuticos, também conhecidos como Residências Terapêuticas, são locais de moradia destinados a pessoas com transtornos mentais que permaneceram em longas internações psiquiátricas e estão impossibilitadas de retornar às suas famílias.
As residências terapêuticas foram instituídas em 2000 pelo Ministério da Saúde. Esses dispositivos têm como foco a reinserção social dos egressos dos hospitais psiquiátricos. Em todo o território nacional existem 596 casas, com 3.236 moradores. Nas residências tipo I, que abrigam no máximo oito pessoas, os moradores têm maior grau de autonomia. Ali, sempre há a figura de um cuidador. Nas casas do tipo II, em que moram pacientes mais debilitados, além de haver mais cuidadores está presente um auxiliar de enfermagem. Em cada um desses espaços moram até dez pessoas. Curitiba possui só uma casa do tipo II.
Liberdade
A virada de quem venceu a dependência das drogas
Ex-usuária de crack, diagnosticada com quadro de bipolaridade com surtos psicóticos, Esdra Vasco mora há dois meses na Residência Terapêutica Tarumã I. A droga associada ao surto psicótico a levou para as ruas. Perdeu a guarda dos seis filhos e se viu sozinha na vida. Passou por CAPS e hospitais psiquiátricos e agora está se acostumando a tomar banho quente e a comer em pratos. “Antes, revirava os lixos para comer. Às vezes, ganhava de alguém alguma coisa”, conta.
Ela relata que, no início, pensava em fugir da residência. “Agora quero viver aqui. É melhor que nas ruas”, resume. O programa das residências também contempla casos como os de Esdra – abandonados pela família e que perderam suas vidas nas ruas em função de surtos psicóticos.
O casal
Dentro da residência até um casal se formou. O hobby da pintura fez Leontina Rosa, 67 anos, e Enoel de Oliveira, 68, engatarem um namoro. “Somos o casal da casa”, orgulha-se Enoel. Leontina ficou três décadas morando no Hospital Nossa Senhora da Luz. “Há dez anos que estou aqui”, revela. Enoel, por sua vez, que era dependente de álcool, passou 19 anos no mesmo hospital. No final das contas, trocou a cachaça por quadros e pincéis. “Eu adoro pintar”, resume.
APOIO
CAPs possuem estrutura modesta, avalia especialista
Retaguarda de atendimento para os moradores das residências terapêuticas, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) possuem um quadro de funcionários considerado pequeno. A avaliação é do especialista em Controle Social da Saúde Mental, Luis Ferro. “No geral, temos uma estrutura pequena que não dá suporte para a demanda necessária”, afirma. Nos CAPs III, por exemplo, que funcionam 24 horas, a lei determina que dois médicos psiquiatras são suficientes para atender 40 pacientes por turno. “Isso é um problema da lei que estipula o quadro de servidores necessários”, esclarece.
No período noturno, não há a obrigação de nenhum médico ficar de plantão no CAPs III, segundo a própria legislação. Motivo que gera revolta dos usuários. Um deles, que prefere não se identificar, questiona o fato. “O que fazem quando alguém tem problemas de madrugada?”
Luis Ferro observa que, para evitar problemas, é necessário ter estruturas de retaguarda, que no caso são as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). “É fundamental em casos de urgência acionar o Samu”, explica.
Marcelo Kimati, diretor do Centro de Assistência à Saúde da prefeitura de Curitiba, afirma que durante 24 horas é mantido um profissional da área de psiquiatria no Samu. “A pessoa que está no CAPS III já foi tratada durante o dia. Caso aconteça um imprevisto, acionamos o Samu para levar até uma UPA”, explica.
NO BRASIL
Em todo o país, seis estados (Acre, Alagoas, Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso e Rondônia) ainda não possuem estrutura de CAPs III, mesmo após mais de dez anos da Lei da Reforma Psiquiátrica, em vigor desde 2001. Apesar do aparente vazio no atendimento, o Ministério da Saúde informa, através de sua assessoria de imprensa, que “não é obrigatório todas as unidades da federação terem CAPs III, pois depende da demanda de cada localidade”.
R$ 30 mil por mês é o gasto estimado pela prefeitura de Curitiba para manter a estrutura e os profissionais em cada uma das seis residências terapêuticas da capital. A intenção é montar mais duas estruturas para abrigar pessoas abandonadas em casas de custódia. Não há prazo definido para a construção desses espaços.
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