Margareth Crisóstomo Portela
Science Without Bordes Programme, University of Leicester, Leicester, U.k.
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. mportela@ensp.fiocruz.br
Cadernos de Saúde Pública - Editorial (dica da Dirce Schneider)
A ideia de que consequências positivas induzem comportamentos é baseada em teorias e dá suporte ao uso do pagamento por desempenho para a melhoria da qualidade do cuidado à saúde. Em prática, entretanto, existe insuficiente evidência sustentando incentivos financeiros para a melhoria da qualidade da atenção primária. O uso do pagamento por desempenho tem crescido, mas tem sido controverso e atingido pouco, levantando questões sobre os mecanismos envolvidos, como eles atuam e se o seu desenho está inadequado.
Este fascículo apresenta os achados de Norman et al. (p. 55-67) sobre percepções de médicos generalistas (GPs) em relação ao pagamento por desempenho britânico baseado na Quality and Outcomes Framework (QOF). Sendo um dos maiores esquemas de pagamento por desempenho do mundo, ele gera debates apaixonados sobre as suas características e efeitos, e expectativas pelo papel exemplar que pode desempenhar para o desenho e implementação de intervenções de pagamento por desempenho na atenção primária.
A QOF foi introduzida no Reino Unido em 2004, e resultados acerca do seus efeitos são ainda limitados, com poucos estudos provendo comparações ante-post com tempo de seguimento suficiente. Por um lado, a evidência existente indica que a QOF tem impacto reduzido na melhoria de resultados no cuidado à saúde devido ao foco em indicadores de processo e padrões inconsistentes e mais baixos do que aqueles estipulados por diretrizes clínicas. Por outro, a QOF tem evoluído, buscando mais transparência e independência, e movendo-se do foco no processo para o foco nos resultados do cuidado. Nesse espírito, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) tem assumido a liderança no desenvolvimento de indicadores clínicos e de saúde pública desde 2009.
Em contraste com a posição de Norman et al. sobre o papel da variabilidade e padronização do cuidado à saúde, a minha visão é que alguma padronização baseada em boa evidência é necessária e inerente à melhoria da qualidade do cuidado à saúde. Parte da variabilidade nas práticas no cuidado à saúde podem ser legitimamente atribuídas a escolhas pertinentes, mas parte certamente é atribuível ao cuidado inadequado. Um outro estudo (Lester H et al. Br J Gen Pract 2013; 63:e408-15) contradiz Norman et al., apontando para a aceitação do pagamento por desempenho como parte da rotina na atenção primária na Inglaterra, para a base em evidência dos indicadores como um fator chave para o seu sucesso, e para as formas mais individualistas e menos estruturadas de trabalho como má prática. Em relação às consequências não intencionadas indesejáveis da experiência de pagamento por desempenho britânica, parece mais consistente a percepção de que houve um impacto negativo no profissionalismo médico, com indução de consultas focadas em “checar itens”, alguma perda de autonomia, e a tendência de uma minoria de GPs priorizar o seu pagamento e não os interesses dos pacientes. Demandas por mais indicadores valorizando o cuidado preventivo, a continuidade do cuidado e outros aspectos de uma visão mais holística do cuidado à saúde têm sido recorrentes.
O esquema de pagamento por desempenho britânico tem sido submetido a muitas mudanças e ainda é um “trabalho em progresso” que, certamente, sendo acompanhado, proverá lições sobre o pagamento por desempenho na atenção primária. Ao mesmo tempo, é fundamental que outras intervenções sejam desenhadas mais cuidadosamente, considerando a apreciação profunda de teorias que possam dar suporte aos seus componentes e envolvendo mais testes em diferentes contextos antes do uso em larga escala.
Cadernos de Saúde Pública - Editorial (dica da Dirce Schneider)
A ideia de que consequências positivas induzem comportamentos é baseada em teorias e dá suporte ao uso do pagamento por desempenho para a melhoria da qualidade do cuidado à saúde. Em prática, entretanto, existe insuficiente evidência sustentando incentivos financeiros para a melhoria da qualidade da atenção primária. O uso do pagamento por desempenho tem crescido, mas tem sido controverso e atingido pouco, levantando questões sobre os mecanismos envolvidos, como eles atuam e se o seu desenho está inadequado.
Este fascículo apresenta os achados de Norman et al. (p. 55-67) sobre percepções de médicos generalistas (GPs) em relação ao pagamento por desempenho britânico baseado na Quality and Outcomes Framework (QOF). Sendo um dos maiores esquemas de pagamento por desempenho do mundo, ele gera debates apaixonados sobre as suas características e efeitos, e expectativas pelo papel exemplar que pode desempenhar para o desenho e implementação de intervenções de pagamento por desempenho na atenção primária.
A QOF foi introduzida no Reino Unido em 2004, e resultados acerca do seus efeitos são ainda limitados, com poucos estudos provendo comparações ante-post com tempo de seguimento suficiente. Por um lado, a evidência existente indica que a QOF tem impacto reduzido na melhoria de resultados no cuidado à saúde devido ao foco em indicadores de processo e padrões inconsistentes e mais baixos do que aqueles estipulados por diretrizes clínicas. Por outro, a QOF tem evoluído, buscando mais transparência e independência, e movendo-se do foco no processo para o foco nos resultados do cuidado. Nesse espírito, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) tem assumido a liderança no desenvolvimento de indicadores clínicos e de saúde pública desde 2009.
Em contraste com a posição de Norman et al. sobre o papel da variabilidade e padronização do cuidado à saúde, a minha visão é que alguma padronização baseada em boa evidência é necessária e inerente à melhoria da qualidade do cuidado à saúde. Parte da variabilidade nas práticas no cuidado à saúde podem ser legitimamente atribuídas a escolhas pertinentes, mas parte certamente é atribuível ao cuidado inadequado. Um outro estudo (Lester H et al. Br J Gen Pract 2013; 63:e408-15) contradiz Norman et al., apontando para a aceitação do pagamento por desempenho como parte da rotina na atenção primária na Inglaterra, para a base em evidência dos indicadores como um fator chave para o seu sucesso, e para as formas mais individualistas e menos estruturadas de trabalho como má prática. Em relação às consequências não intencionadas indesejáveis da experiência de pagamento por desempenho britânica, parece mais consistente a percepção de que houve um impacto negativo no profissionalismo médico, com indução de consultas focadas em “checar itens”, alguma perda de autonomia, e a tendência de uma minoria de GPs priorizar o seu pagamento e não os interesses dos pacientes. Demandas por mais indicadores valorizando o cuidado preventivo, a continuidade do cuidado e outros aspectos de uma visão mais holística do cuidado à saúde têm sido recorrentes.
O esquema de pagamento por desempenho britânico tem sido submetido a muitas mudanças e ainda é um “trabalho em progresso” que, certamente, sendo acompanhado, proverá lições sobre o pagamento por desempenho na atenção primária. Ao mesmo tempo, é fundamental que outras intervenções sejam desenhadas mais cuidadosamente, considerando a apreciação profunda de teorias que possam dar suporte aos seus componentes e envolvendo mais testes em diferentes contextos antes do uso em larga escala.
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