Claudicamos quando se trata de analisar processos econômicos, políticos e sociais de forma menos partidarizada. Muitos dirão que sempre foi assim. Interromperei com um nem tanto.
As características do partido, seu líder e ideário, traído ou não, que assumiu o Poder Executivo, a partir de 2003, favoreceram o fato. Uma história vivida há mais de 11 anos, que não precisa ser recontada.
Penso serem dois os acontecimentos históricos mais importantes dos últimos cinquenta anos, no Brasil. Primeiro, a derrubada da ditadura militar, quase concomitante à Constituição de 1988; depois, o fato de 37 milhões de brasileiros terem conquistado emprego e renda para o consumo, sem que fosse necessário romper com o regime democrático.
Segundo o IPEA, Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, nos últimos dez anos, a classe C aumentou a participação de 38% para 53% da população, atingindo 104 milhões de pessoas.
Por certo, um mérito que não deve ser creditado apenas a um partido político. No caso, o Partido dos Trabalhadores.
Tratou-se de processo, com origem multifatorial, que remonta a outros períodos e governos, mas que também não pode voltar a tempos imemoriais, como exaltam sambas enredos nos desfiles de Carnaval.
O maior mérito do PT, no entanto, foi cutucar o acordo de elites que, secularmente, governou o País. Não estava fácil. Pequenas ameaças reformistas logo justificavam o empresariado lotar as portas de saída do País. Assim caiu João Goulart.
Mais difícil ainda era dele tirar uma humilde franja do saldo de uma das mais perversas concentrações de renda do planeta e distribuí-la um pouquinho melhor.
Não há dúvida de que foi preciso vontade e sensibilidade políticas. Hoje em dia, as oposições não se atreveriam a retirar tais muletas de seus discursos, programas, talvez, até ações.
Da mesma forma, creio que na esteira do exposto acima, temos exacerbado a corrupção dos políticos. Ela é descomunal, sim. Mas não só entre eles.
Para justificar tais condenações cidadãs e midiáticas, fala-se em dinheiro público.
Sem dúvida, mas pergunto: o tal “dinheiro público” surrupiado fica restrito à taba política? Por acaso é manco, bípede, ou circula rasteiro como centopeias?
Condenamos um “público” que, curiosamente, não conhece o privado nem vai à privada descarregar suas sobras.
Em julho de 2013, relatei em coluna para o site de “CartaCapital”, conversa de um grupo de pessoas que metia o pau na corrupção dos políticos. Sua sugestão voltava aos idos da ditadura, quando se dizia que helicópteros levantavam voo para jogar opositores em alto-mar.
Até que ouvi o seguinte diálogo:
- Você tem inscrição de produtor rural?
- Tenho.
- Sabe o que é? Uma concessionária me propôs vender um SUV (veículo utilitário esportivo, na sigla em inglês) nas condições favorecidas dadas às máquinas agrícolas. Mas precisa ser produtor rural.
- Tem problema, não. Passo o número por e-mail.
Nesta semana, a Folha de São Paulo publicou a seguinte notícia:
“Relatório do TCU aponta irregularidades no programa federal Garantia-Safra. Dinheiro que deveria ajudar agricultores pobres beneficiou 66 mil irregularmente em 2012 e 2013, diz órgão (…) O TCU também encontrou 135 mil beneficiários proprietários de veículos. A maioria tem motocicletas, mas o órgão determinou que esses cadastros sejam investigados porque, entre os que receberam a verba federal, há também donos de carros de luxo como Tucson, Pajero e Hilux”.
Vai faltar helicóptero para jogar tanta gente em alto-mar.
Demonizar apenas os políticos pela corrupção é arriscar-se a ficar muito perto de quem ainda sonha com incômodas moléculas que, neste mês, completam meio século.
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