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sábado, 19 de abril de 2014

Manifestação da Comissão Nacional de Ética dos Jornalistas sobre o episódio Rachel Sheherazade

Por ocasião de sua reunião ordinária, realizada no dia 05 de abril de 2014, durante o 36º Congresso Nacional dos Jornalistas, em Maceió, a Comissão Nacional de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas aprovou a seguinte manifestação:

Dos Fatos

No dia 04 de fevereiro de 2014, a jornalista Rachel Sheherazade, âncora do Jornal do SBT, manifestou-se, no telejornal, sobre um grupo de rapazes que, em 31 de janeiro anterior, havia espancado e acorrentado num poste, no Rio de Janeiro, um adolescente acusado de furto. A cena foi registrada por uma moradora da cidade e ganhou ampla repercussão no noticiário nacional e junto à população, por meio das redes sociais.

Disse a jornalista em seu comentário disponível em 
http://www.youtube.com/watch?v=nXraKo7hG9Y 

“O marginalzinho amarrado ao poste é tão inocente que, em vez de prestar queixa contra os agressores, preferiu fugir antes que ele mesmo acabasse preso. É que a ficha do sujeito está mais suja do que pau de galinheiro. Num país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes, que arquiva mais de 80% dos inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. O Estado é omisso; a polícia, desmoralizada; a Justiça, falha. O que resta ao cidadão de bem, que ainda por cima foi desarmado? Se defender, é claro. O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra o estado de violência sem limite. E aos defensores dos direitos humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso no poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil! Adote um bandido.”

Das manifestações recebidas pela Comissão Nacional de Ética dos Jornalistas

No dia 05 de fevereiro, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e a Comissão de Ética do mesmo sindicato divulgaram nota pública repudiando as declarações da jornalista, que consideraram uma “violência simbólica” contra a vítima do episódio, e solicitando o posicionamento desta Comissão sobre o episódio.

Em 7 de fevereiro, a diretoria da FENAJ se pronunciou sobre o caso, condenando a atitude da jornalista. "A FENAJ, diante da evidência dos fatos, sente-se no direito e na obrigação de repudiar o comportamento da apresentadora e de recomendar-lhe a observância dos princípios do Jornalismo e do Código de Ética do Jornalista Brasileiro".

No dia 13 de fevereiro, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) enviou ofício a esta Comissão solicitando a análise do caso e apuração de eventuais violações ao Código de Ética dos Jornalistas por parte da profissional Rachel Sheherazade. O mesmo sindicato, no dia 6 de fevereiro, já havia manifestado, em nota pública, seu repúdio contra o que denominou de “violações de direitos humanos e ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros” pela apresentadora do SBT.

Análise da Comissão de Ética

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros afirma, em seu artigo 6o, que é dever do jornalista, entre outros pontos: 

– opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (inciso I);

– defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, adolescentes, mulheres, idosos, negros e minorias (inciso XI);

– e combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza (inciso XIV).

Em seu artigo 7º, nosso Código de Ética também afirma que o profissional não pode usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime (inciso V). 

Considerando os fatos descritos e os deveres dos jornalistas estabelecidos no Código de Ética da categoria, esta Comissão Nacional entende que a jornalista Rachel Sheherazade desrespeitou o referido Código em diferentes aspectos. 

Em primeiro lugar, independentemente da responsabilidade do adolescente envolvido – que não cabe ao jornalista, e sim ao Poder Judiciário, determinar –, Sheherazade, em vez de opor-se à opressão e defender os direitos do cidadão e as garantias individuais, em especial dos adolescentes, denominou o envolvido de “marginalzinho”.

Em segundo, ao afirmar que a atitude “dos vingadores” era “compreensível” e que se tratava de “legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado”, a apresentadora do telejornal usou o espaço de uma concessão pública de radiodifusão, com amplo alcance junto à população brasileira, para justificar uma prática violenta que extrapola os limites do Estado Democrático de Direito. 

Sem medir palavras, a jornalista legitimou a prática da justiça com as próprias mãos, autorizando indiretamente a violência de cidadãos contra cidadãos.

Por fim, ao ironizar em torno do “lançamento de uma campanha” pela adoção de um bandido, Sheherazade não apenas desrespeita o Estatuto da Criança e do Adolescente, como menospreza a ação de defensores de direitos humanos em todo o país.

É importante destacar que o exercício da liberdade de imprensa não pode ser confundido com uma autorização absoluta para a manifestação de quaisquer ideias e pensamentos. Os limites desta liberdade estão previstos justamente na Constituição Federal, na legislação brasileira e no Código de Ética da categoria, que estabelece os princípios que devem nortear a condução do trabalho profissional. 

Compreendendo seu importante papel na construção da cidadania e de uma sociedade efetivamente democrática, é dever do jornalista atuar no sentido oposto ao que fez a apresentadora Sheherazade. O exercício profissional ético deve ser guiado pelo respeito àqueles retratados nas notícias, pela defesa da tolerância e, sobretudo, pela promoção dos direitos humanos.

Comissão Nacional de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas

05 de abril de 2014.

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