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quarta-feira, 16 de abril de 2014

O silêncio de Galeano

  , Jornalista, no Brasil Post

Domingo, enquanto aconteciam as finais dos estaduais pelo país, tive o prazer de ver Eduardo Galeano falar sobre futebol e ditadura na Bienal do Livro de Brasília. Ao final, perguntaram o que ele pensa sobre os protestos contra a Copa do Mundo. 

O autor de As veias abertas da América Latina respondeu em português: eu só queria dizer que esse é um tema muito importante e não estou em condições de responder com a profundidade necessária. Eu não estou aqui para vender hielo a los esquimales. Estou aqui para aprender, não para ensinar. 


Óbvio que o uruguaio tem razões ideológicas para se calar, mas isso não exclui a nobreza do seu silêncio. Você pode ou não concordar com a obra de Galeano, mas é incontestável que ele, ao lado de Benedetti, Vargas Llosa, Cortázar, García Marquez, Guimarães Rosa e outros, é um dos documentaristas da América Latina. Ajudou a escrever a cartilha sobre a nossa identidade. 

Isso faz do seu gesto uma lição de humildade, já que parar, pensar e refletir antes de opinar está cada dia raro. Em tempos em que a Copa do Mundo parece ser culpada de todos os problemas do país, a verborragia virtual sobre o assunto está cada dia mais desinformada, preconceituosa, rancorosa e, pior, violenta. 

Tente ler os comentários sobre a Copa do Mundo no Facebook de qualquer grande jornal do país ou nas páginas do governo. Eu me choco. Só a associação direta de "hospitais" e "escolas" com "estádios de futebol" é de dar medo. Experimentei ler por 30 minutos os comentários sobre o impacto da Copa no PIB brasileiro. Não consegui contar o número de pessoas que perguntam "cadê o dinheiro do PIB?". Outros acusam "os corruptos" de "embolsar o dinheiro do PIB". Vi muita gente também argumentar que escolas e hospitais gerariam empregos ad eternum e, por isso, são "investimentos duradouros".

Me choco principalmente com o discurso raso. Para citar o que seria básico num debate como esse, não li um comentário que cita a relação direta entre investimentos na educação e o crescimento do PIB em longo prazo, o que seria um contraponto ao gasto com construção civil. Não vi uma pessoa mandar o PIB às favas e argumentar que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) seria uma medida mais confiável de bem-estar. Nada. 

Por falar em IDH, enquanto escrevia este texto, uma amiga me mostrou o post de um jornalista dinamarquês que disse ter desistido do sonho de cobrir a Copa no Brasil porque "a vida de meninos de rua está em perigo por causa da Copa do Mundo e de gringos como ele". Também com um argumento raso, ele cita remoções e diz que o evento está custando a vida de crianças no Brasil! 

Se eu, jornalista, descobrisse fortes evidências de que isso está acontecendo, com ou sem Copa, em qualquer lugar do mundo, iria apurar, buscar fontes, entrevistar pessoas. Iria atrás da verdade (saudades, Caco Barcellos). A verdade infelizmente está muito além de um post no Facebook compartilhado 5.879 vezes. 

Infelizmente a violência, a desigualdade no Brasil, o absurdo que é a aparição dos "justiceiros" no Rio de Janeiro, a truculência policial, a formação de grupos de extermínio e milícias no Nordeste e outras partes do país não são culpa da Copa. Tudo isso se formou antes e infelizmente vai continuar existindo após a Copa. São as nossas veias abertas, que Galeano não quis dizer se vão muito além de um grande evento.

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