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quinta-feira, 17 de abril de 2014

Pagamento por desempenho no cuidado à saúde

Por Margareth Crisóstomo Portela * no Portal do CEBES


Iniciativas de pagamento por desempenho no âmbito do cuidado à saúde têm sido implementadas sob o pressuposto de que incentivam a adesão de profissionais de saúde ao uso de práticas recomendadas e obtenção de melhores resultados. Apesar da validade de face do pressuposto, entretanto, as evidências hoje disponíveis internacionalmente, na atenção primária e na atenção hospitalar, são insuficientes tanto para a recomendação quanto para a não recomendação de incentivos financeiros para a melhoria do cuidado à saúde.

As maiores experiências de pagamento por desempenho na atenção primária e hospitalar, respectivamente, são o esquema de pagamento a médicos generalistas (GPs) no Reino Unido, baseado na Quality and Outcomes Framework (QOF), e a Premier Hospital Quality Incentive Demonstration (HQID), do Centers for Medicare and Medicaid Sevices (CMS) em parceria com a Premier Inc., nos Estados Unidos.

A QOF foi introduzida no Reino Unido em abril de 2004, com vistas a incrementar padrões organizacionais e clínicos na atenção primária. A adesão à QOF é voluntária, mas, majoritariamente, ela ocorre. A QOF abrange um conjunto de padrões de qualidade nacionais, cobrindo quatro domínios, que incorporam indicadores de níveis diferenciados de atingimento, sobre os quais um escore é definido. Os pagamentos são então calculados com base nos pontos obtidos. Os quatro domínios são: (1) clínica, que envolve indicadores de diferentes áreas clínicas tais como doença coronária, insuficiência cardíaca, hipertensão, diabetes e doença pulmonar obstrutiva crônica; (2) saúde Pública, que contempla indicadores cruzando melhorias clínicas com condições que afetam a saúde, como tabagismo e obesidade, e possui um subdomínio envolvendo as áreas de rastreamento cervical, vigilância de saúde da criança, serviços de maternidade e serviços de contracepção; (3) qualidade e produtividade, com indicadores voltados para assegurar o uso mais efetivo de recursos do NHS a partir da melhoria da qualidade da atenção primária; e (4) experiência do paciente, com um indicador do tempo de duração das consultas. Para 2013/14, um máximo de 900 pontos era previsto, com cada ponto correspondendo, em média, na Inglaterra, a um pagamento de £156,92. Desde 2009, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) assumiu a liderança no desenvolvimento de indicadores clínicos e de saúde pública, buscando imprimir maior transparência e independência ao esquema e movendo o foco do processo para os resultados do cuidado.

Da experiência britânica, em andamento, apreende-se a aceitação do pagamento por desempenho como parte da rotina na atenção primária e a base em evidência dos indicadores como um fator chave para o seu sucesso. Mas também são reconhecidos um impacto negativo no profissionalismo médico, com indução de consultas focadas em “checar itens”, alguma perda de autonomia, e a tendência de uma minoria de GPs priorizar o seu pagamento e não os interesses dos pacientes.

A Premier HQID, po sua vez, foi instituída nos Estados Unidos em outubro de 2003, como um projeto de demonstração da efetividade do uso de incentivos financeiros na melhoria da qualidade do cuidado hospitalar. O projeto durou seis anos, envolvendo pouco mais de 250 hospitais em 36 estados, que disponibilizaram dados para 33 indicadores relacionados a três condições clínicas – infarto agudo do miocárdio,insuficiência cardíaca congestiva e pneumonia – e duas cirúrgicas – revascularização do miocárdio e substituição do quadril e artroplastia do joelho.

Apesar de alguma evidência de melhorias modestas no processo do cuidado e resultados mais favoráveis entre os hospitais com incentivo na fase inicial do projeto, a Premier HQID não demonstrou melhores resultados clínicos ou cirúrgicos sustentáveis entre hospitais com incentivo. Entretanto, observou-se variação nos níveis de melhoria obtidos, sugerindo a necessidade de moldar programas de pagamento por desempenho considerando características específicas dos hospitais.

O tema suscita um importante debate, muitas vezes polarizado, convivendo, por um lado, questões sobre a ética de se pagar adicionalmente pelo cumprimento do que, a priori, deve ser cumprido, e, por outro, a apreciação de que o pagamento é um incentivo ou prêmio, normalmente coletivo, para profissionais que demonstram mais envolvimento com os seus pacientes, esforço na resposta às suas necessidades e demandas, e obtenção de melhores resultados.

É necessário, portanto, que se busque entender por que os resultados produzidos são contraditórios ou pouco sustentáveis, e apreender o que funciona, por que e sob que condições. O teste de experiências locais, desenvolvidas incrementalmente, com vistas às apreender como os mecanismos de mudança envolvidos funcionam, pode ser um caminho.


* Pesquisadora Titular, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.

Veja também o texto da autora publicado nos Cadernos de Saúde Pública:

Um comentário:

  1. Acho que o caminho para se melhorar a saúde de "pessoas" não está em pagar incentivos para que já havia sido contratado. Paga-se o "justo" e exige-se o contratado para tratar "pessoas". As " pessoas" são muito parecidas com os "profissionais" de saúde. Alguns "profissionais" comportam-se como "pessoas" dando a entender e com isso os resultados são muitos positivos. Com isso se transformassem os mais "profissionais" em "pessoas" acho que seria o máximo. A base de sustentação, o pilar da saúde, seria reforçado e assim "pessoas" sreiam q mesma coisa que "profissionais" colocando-se umas nos lugares das outras e vice-versa.

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