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quinta-feira, 15 de maio de 2014

[Para instruir coxinhas mal informados] - Copa do Mundo e o orçamento da Saúde entre 1995-2014

Pedro Saraiva do Jornal GGN


Não me levem a mal, não considero o Ney Matogrosso uma pessoa mal-intencionada. Posso estar sendo inocente, mas achei a sua indignação real. Ele identificou o sintoma, mas errou miseravelmente o diagnóstico. O alvo da minha crítica não é a sua inconformidade com o problemas sociais brasileiros. Isso é legítimo e essencial para avançarmos como democracia. O problema é achar que, por ser uma figura pública, com reconhecimento internacional, pode-se fazer proselitismo sobre assuntos ou causas que ele claramente nunca estudou.
De todos os equívocos ditos pelo Ney, uma frase me incomodou o suficiente para me tirar da inércia e escrever este texto: “Se existia tanto dinheiro disponível para gastar na Copa, por que não resolver os problemas do nosso país?”.
Todos se lembram que ano passado, no auge das manifestações de Junho, surgiu um vídeo no Youtube com uma linda jovem brasileira falando inglês e desancando a realização da Copa Mundo no Brasil. O vídeo, que de amador e espontâneo não tinha nada, introduzia inúmeras mentiras e distorções de valores sobre a preparação para a Copa. O projeto foi tão espertamente concebido que conseguiu conquistar os corações da nossa classe média (quase sempre acrítica) em uma época na qual as pessoas apresentavam-se abertas a mudar de opinião sobre praticamente qualquer assunto de política. Não só por isso, mas desde então, a opinião pública virou, e a Copa do Mundo, que era apoiada maciçamente pelo povo, tornou-se um Judas em Sábado de Aleluia.
O fato é que a mudança de humor em relação à Copa se deu basicamente quando parte da sociedade se convenceu de que aqueles bilhões de reais investidos em estádios poderiam estar sendo usados para melhorar a saúde, educação, segurança, etc. No fundo foi uma efetiva estratégia de contrapropaganda.
Como eu não sou uma linda jovem e não tenho uma equipe profissional por trás para criar um vídeo explicativo sobre a Copa, vou tentar me apoiar apenas na verdade factual para mostrar que a tal frase dita pelo Ney é um disparate descomunal.
Deixo desde já claro que o que eu pretendo defender aqui são apenas 2 simples pontos:
1- A realização da Copa não interfere de forma relevante na saúde e na educação no Brasil.
2- A oposição, nomeadamente o PSDB, é extremamente hipócrita ao querer tirar partido desta falácia.
Vou dar prioridade aos dados sobre a saúde, por ser, segundo todas as recentes pesquisas de opinião pública, a área que mais preocupa os brasileiros atualmente. Mas o raciocínio que será exposto vale também para a educação, que tem orçamento anual semelhante.
Antes de compararmos os valores investidos em saúde com os gastos com a Copa, vamos ver rapidamente os números abaixo:
Durante os 8 anos de governo FHC, quando não houve Copa do Mundo no Brasil, o orçamento da saúde foi massacrado de forma, penso eu, inédita na nossa história recente. Já no seu primeiro ano de orçamento, segundo dados da Consultoria de Orçamento da Câmara, o governo FHC cortou em 45% os investimentos em saúde. Para piorar, ao longo dos 7 anos seguintes, a recuperação foi lenta, com reajustes homeopáticos, sempre abaixo da inflação. No total, houve apenas um singelo incremento de 10% no orçamento entre 1995 e 2002, período no qual, é bom destacar, a inflação acumulada foi de 114%. Resultado: em 8 anos, em números reais corrigidos pela inflação, o governo do PSDB cortou praticamente pela metade o dinheiro que ia para a pasta da saúde.
De todas as chamadas "heranças malditas" do governo FHC, a saúde foi com certeza uma das mais perniciosas. Só para se ter uma ideia, apesar da recuperação dos investimentos em saúde nos anos Lula, agora sim, com correções do orçamento sempre acima da inflação, o país só voltou a ter em 2012 o nível real de investimento em saúde semelhante ao que tinha em 1995 (esses cálculos de correção pela inflação podem ser feitos na calculadora online que o site do Banco Central fornece).
Vejam bem, o corte no orçamento da saúde no período FHC foi tão virulento, que foram necessários 16 anos para que a pasta recuperasse o padrão de investimento pré-FHC. Isso significa que somente há cerca de 2 anos o país voltou a aumentar de forma real os investimentos em saúde. Nos anos anteriores, estávamos apenas recuperando de forma progressiva aquilo que foi vergonhosamente cortado na segunda metade da década de 1990. Em uma pasta na qual os gastos são cada vez maiores por conta do constante avanço tecnológico, do envelhecimento da população e do aumento da prevalência de doenças crônicas, o país ficou 16 anos "correndo atrás do prejuízo".
Se contarmos somente os anos dos governos Lula+Dilma, houve um aumento de 246% no orçamento da saúde. Descontada a inflação, o aumento real é de quase 80%. A diferença de investimento no orçamento da saúde entre PT e PSDB é colossal e não permite nem sequer uma crítica dos tucanos sobre o assunto.
Vamos agora ver os valores da Copa, que, segundo o senso comum, deveriam ter sido usados para resolver a saúde, a educação, o transporte público e tantas outras mazelas do Brasil, conforme afirmou Ney Matogrosso.
Segundo dados oficiais, os gastos totais com a Copa do mundo giram em torno dos 30 bilhões de reais. Porém, aqui vem a grande pegadinha: a construção de estádios consumiu "somente" cerca de 8 bilhões de reais. Destes, "apenas" 3,9 bilhões são do Governo Federal, através de empréstimos do BNDES (a juros iguais a qualquer outro empréstimo que o banco faz para grandes empresas). É importante destacar que esses valores são acumulados desde 2007. O restante dos 30 bilhões foram, segundo o portal da transparência, investidos, entre outros, em aeroportos (cerca de 6 bilhões), mobilidade urbana (cerca de 8 bilhões), segurança pública (cerca de 2 bilhões), telecomunicações (cerca de 400 milhões) e portos (cerca de 600 milhões). Acho que é ponto pacífico que esses gastos em infra-estrutura não são desperdício de dinheiro.
Portanto, o governo federal, principal alvo da fúria dos protestos contra a Copa, cedeu através de empréstimos - valores que obviamente serão devolvidos ao próprio banco, corrigidos por juros - 3,9 bilhões de reais entre 2007 e 2014 para a construção de estádios (média simples de R$ 500 milhões por ano). Só como comparação, o BNDES emprestou, apenas em 2012, um total de 156 bilhões de reais; 50 bilhões só para pequenas e médias empresas.  Em uma matemática bem simplista, podemos dizer que o BNDES empresta anualmente para pequenas e médias empresas 100 vezes mais que a média anual emprestada para estádios da Copa.
Esses dados por si só já desmentem várias "verdades" sobre os gastos da Copa que têm sido propagadas nas redes sociais e na grande imprensa. A jovem do vídeo fala em gastos de 30 bilhões de dólares com estádios (o equivalente a mais de 60 bilhões de reais no câmbio atual). Uma superestimação de mais de 750%. O Arnaldo Jabor, em coluna recente, afirmou que o Governo Federal gastou mais de 30 bilhões de reais em estádios. Também mente e superestima os gastos federais em quase 1000%. O Jabor é só um exemplo. Há vários outros jornalistas distorcendo sem nenhum pudor os valores gastos na construção dos estádios. 30 bilhões virou o número mágico que serve para tudo. Mas a imprensa, que deveria esclarecer a população, infelizmente, prefere explorar o tema Copa do Mundo de forma a beneficiar a oposição em ano eleitoral.
Vamos agora comparar esses valores da Copa com o orçamento da saúde para vermos o quanto o país poderia estar melhor nesta área.
Reparem que os valores acima são comparados apenas com o orçamento da saúde. Se fossemos incluir também o orçamento da educação, o percentual de gastos do governo federal, via BNDES, cairia para menos de 0,4%.
Mesmo se usássemos todos os 30 bilhões como comparação, isso ainda representaria apenas 5% do orçamento da saúde desde 2007. Incluindo saúde + educação, o percentual cai para menos de 3%. Se incluirmos mobilidade urbana, cai para cerca de 1%. Concluindo, os gastos com a Copa do Mundo, qualquer que seja o valor usado, corresponde a menos de 1% do orçamento das principais pastas da área social. Desde 2010, o governo investiu 968 bilhões apenas em educação, saúde e mobilidade urbana. Isso equivale a construir todos os 12 estádios da Copa 121 vezes.
Agora me respondam, fala sério alguém que diz que o dinheiro dos estádios poderia ter sido usado para dar jeito no país? Só quem não faz a menor ideia do que é o orçamento da União pode repetir esse tipo de bobagem.
O orçamento anual da União é de 2.4 trilhões de reais. Nos últimos 5 anos, o país gastou cerca de 1 trilhão de reais só com o pagamento de juros da dívida pública. Esse é o dinheiro que realmente deixa de ser investido em saúde e educação. Não são os R$8 bilhões dos estádios.
Estudos mostram que a sonegação de impostos pelos mais ricos retira do orçamento cerca de 415 bilhões de reais todos os anos, dezenas de vezes mais que a corrupção. Isso significa que entre 2007 e 2014, o Estado deixou de arrecadar cerca de 3 trilhões de reais. Alguém ainda acha que os 30 bilhões totais da Copa são o problema?
Querem mais exemplos? Em 2007, a oposição, com essencial apoio da imprensa, conseguiu derrubar a CPMF, imposto que ajudava a identificar sonegadores e poderia render cerca de 40 bilhões de reais por ano para a Saúde. Com o fim da CPMF, estima-se que o orçamento da saúde perdeu cerca de 280 bilhões de reais entre 2007 e 2014, 35 vezes mais que o custo dos estádios pra Copa.
Para terminar os exemplos, caso os ricaços do Brasil pagassem IPVA pelas suas lanchas, helicópteros e jatinhos privados (sim, você é obrigado a pagar imposto sobre veiculo motorizada do seu Gol 1000, mas os milionários do Brasil têm isenção em seus motorizados de luxo) o estado arrecadaria cerca de R$ 8 bilhões de reais a mais todos os anos. Ou seja, com esse dinheiro daria para reconstruir anualmente todos os 12 estádios da Copa.
Acho que não preciso dar mais exemplos para você entender que não é a Copa que impede investimentos relevantes em saúde e educação.
Para finalizar, vale a pena comentar mais um dado. Segundo a constituição, os principais responsáveis pela gestão do dinheiro do SUS são os estados e municípios. O Governo Federal é diretamente responsável por, literalmente, apenas 1% de todos os hospitais do Brasil. Além disso, das 74.755 unidades de serviço de saúde público do país, apenas 563 (0,7%) são geridas pelo Governo Federal. Gestão da saúde é, por lei, dever de estados e municípios. O Governo federal é responsável pelo orçamento, mas quem aplica o dinheiro, na maior parte dos casos, são prefeitos e governadores.

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