por Flavio Moura - no Portal Geledés
“Toda grande democracia tem sua cota de odiosos intolerantes e cretinos entre seus deputados eleitos – os Estados Unidos já tiveram mais do que o suficiente –, mas Bolsonaro é um caso único de vergonha nacional. Ele tem um longo e revoltante histórico de racismo, homofobia e outras formas de fanatismo que se espera de um admirador de uma ditadura militar.”
Essas linhas não foram escritas por um militante do PSOL. Também não são da lavra de uma feminista ligada ao PT. Os termos são do jornalista inglês Glenn Greenwald, responsável pelo mais importante furo jornalístico dos últimos tempos, o caso de espionagem da agência de inteligência americana NSA.
Greenwald publicou na última quinta (11) um artigo sobre nosso ilustre deputado. Vale ler mais algumas linhas: “Em certo sentido, Bolsonaro é a face mais extrema e repugnante de uma direita que ressurge com força para arrastar o país várias décadas para trás, em direção diametralmente oposta à da maioria dos países civilizados.”
Não cito esse texto só porque vem de um estrangeiro. Claro que é interessante o fato de ele ser um dos jornalistas mais respeitados da atualidade. O jornal em que ele se projetou, o Guardian, não é exatamente um pasquim stalinista. Nem a Inglaterra uma república bolivariana.
Mas o ponto não é esse. A opinião dele é interessante porque vem de fora do ambiente político brasileiro. A discussão por aqui anda tão rebaixada que não se pode protestar com tranquilidade contra os despautérios proferidos essa semana pelo nobre parlamentar.
A revolta natural contra a excrescência contida em sua fala se confunde de imediato com luta política. Questionar uma declaração criminosa, capaz de sugerir que determinadas mulheres merecem ser estupradas, virou coisa de petralha. Do outro lado, vejo respeitáveis tucanos e muitos liberais inteligentes silenciando nesse momento, imagino que para não fazer o jogo do petismo.
A direita democrática, que felizmente existe no Brasil, deveria ser a primeira a repudiar declarações desse tipo. Mas não. Eles parecem ocupados demais em evitar que o Brasil se torne a Venezuela ou a Argentina, sem atentar que figuras como a do nosso iluminado congressista estão mais ajustadas a regimes como o do Estado Islâmico, na Síria.
Há poucos meses, outro inglês que não é propriamente um bolchevique, o ator Stephen Fry, fez uma entrevista com o excelentíssimo representante do povo brasileiro. Vale ver o vídeo da entrevista – mas por ora basta lembrar que Bolsonaro foi categórico. “Não existe homofobia no Brasil”, ele disse. De acordo com sua sabedoria sociológica, 90% das vítimas gays morrem em “lugares de drogas e prostituição ou são mortos pelo próprio parceiro”.
Para não ficar apenas no terreno da agressão contra mulheres e homossexuais, vale lembrar a arejada visão do problema racial nutrida pelo excelso delegado. Em entrevista recente à apresentadora Preta Gil, ele declarou que nem cogita a possibilidade de seus filhos se apaixonarem por uma mulher negra. “Não vou discutir promiscuidade”, lembrou, com precisão cortante. Seus garotos, afinal, foram muito bem educados e não vivem “nesses ambientes” que a apresentadora frequentava.
Em tempos que já parecem remotos, Paulo Maluf fez a célebre declaração: “Está com desejo sexual, estupra, mas não mata”. O bordão que era a síntese do conservadorismo de Maluf parece de uma ingenuidade ginasial perto das declarações recentes de Jair Bolsonaro.
Hesitei alguns dias se valia um post sobre a figura. Fazer isso, afinal, é jogar o jogo dele. O cinismo é tão grande que não é impossível que nem mesmo o deputado acredite nos disparates que ele profere. O ponto é fazer barulho nas redes sociais. É provocar a ira “das esquerdas”. É ganhar cliques e bater palmas para fazer dançar seus eleitores. Nesse sentido, talvez eu esteja aqui arrumando meia dúzia de votos para esse cidadão.
Mas não é gratuito que a acintosa atitude do valoroso tribuno venha na mesma semana em que a Comissão da Verdade concluiu seu relatório. Enquanto os militares reagiram com relativa sobriedade às conclusões incisivas da CNV, vem um civil lembrar que a face obscurantista da sociedade brasileira segue mais viva do que nunca.
O perigo, pelo visto, não está mais nos quartéis. Bolsonaro é o mais novo termômetro da regressão que ameaça a democracia brasileira.
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