por Cynara Menezes na Carta Capital
Eu estava trabalhando na revista Veja (os piores oito meses de minha carreira; leiaaqui) quando saiu uma capa louvando as estatinas, pílulas usadas para controlar o colesterol “ruim” que, afirmava a revista, eram “a grande surpresa da medicina”, “a aspirina do século 21″, “um dos medicamentos que mudaram a história”. A reportagem, de cinco páginas, parecia um anúncio pago pelos fabricantes do medicamento, comparado por Veja à descoberta da penicilina. As estatinas seriam eficazes para tratar angina, Alzheimer, osteoporose, câncer, esclerose múltipla e diabetes (íntegra aqui). Só faltou bicho-do-pé. “Um belíssimo negócio para a indústria farmacêutica”, vibrava a semanal da editora Abril.
De lá para cá, as estatinas se transformaram na maior fonte de lucro da indústria farmacêutica. Uma delas, o Lípitor (atorvastatina, da Pfizer), se tornou o medicamento campeão de vendas no mundo e, com o providencial pontapé da “revista mais vendida”, o número dos que usam estatinas no Brasil pulou de 400 mil para 8 milhões de pessoas. Mas o que pouca gente sabe é que, após 10 anos, o que foi apresentado ao leitor incauto da revista como panacéia agora é questionado por pesquisadores, médicos e cientistas como prejudicial à saúde e, no mínimo, inútil. E o mais bizarro: hoje o uso contínuo de estatinas está associado a alguns dos males que supostamente curaria, como perda de memória, doenças cardíacas, diabetes, fraqueza muscular e câncer.
Dois anos atrás, a própria Veja reconheceu, em uma reportagem minúscula escondida no site da revista: “Acaba a lua-de-mel com as estatinas” (leia aqui). No texto, a publicação admitia que efeitos colaterais graves têm sido associados ao uso do remédio outrora “revolucionário”, até mesmo a capacidade de provocar o infarto em vez de preveni-lo –justamente a maior qualidade levantada pela propaganda, ops, reportagem anterior. Novos estudos com voluntários, advertia o artigo, comprovam que “usuários frequentes das estatinas tiveram um aumento muito maior na calcificação de placas em suas artérias coronárias. Isso poderia levar a riscos maiores de infartos nesses pacientes”.
Na época da capa-louvação, o cardiologista Sergio Vaisman, coordenador da pós-graduação em Medicina Preventiva da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, escreveu um artigo em seu blog em que condenava o excesso de otimismo da Veja em relação às estatinas. “Acho lamentável assistir a esse desfile de propaganda que enaltece produtos que irão comprometer nossa saúde se usados em demasia”, escreveu Vaisman, criticando a falta de interesse da revista em mostrar os efeitos colaterais do remédio, como as dores musculares crônicas e a rabdomiólise, uma degeneração das fibras musculares que pode levar a lesões renais graves e até à morte. Detalhe: uma estatina, a Baycol (cerivastina, da Bayer), já havia sido retirada do mercado em 2001 por causar rabdomiólise e matar 52 pessoas nos EUA por falência renal.
Entrevistei Vaisman pelo telefone. Ele está cada vez mais cético em relação às estatinas, que só prescreve a seus pacientes em casos muito graves e por um período apenas. “Sou contra o uso contínuo de estatinas, mas vou contra a corrente, porque o establishment da medicina manda fazer isso. Existe uma pressão muito grande da indústria farmacêutica, principalmente sobre os médicos recém-formados”, diz. E ressalta: “Não existe nenhuma evidência científica de que as estatinas protegem o coração de um infarto”.
Outro aspecto que mudou neste meio tempo foi a própria visão da ciência (não da indústria farmacêutica) sobre o “colesterol ruim” (LDL), antes o grande inimigo do homem moderno e razão de existir das estatinas. “Hoje o colesterol não é o vilão que se pensava. É considerado, por exemplo, fundamental para a produção dos hormônios sexuais. Claro que tudo em excesso é ruim, mas o colesterol tem papéis benéficos”, defende Vaisman. O colesterol também é necessário para o bom funcionamento dos intestinos e do cérebro.
Em outubro de 2013, a Sociedade Brasileira de Cardiologia causou polêmica ao rebaixar o limite considerado saudável de colesterol “ruim” de 100 miligramas por decilitro de sangue para 70 miligramas por decilitro, o que fez aumentar ainda mais as prescrições das estatinas nos consultórios médicos. Na época, especialistas contrários à medicalização excessiva chamaram a atenção para os efeitos colaterais da droga, sem sucesso. Como disse Vaisman, o establishment da medicina no Brasil abraçou as estatinas sem restrições. E o pseudo jornalismo de “saúde” praticado por alguns veículos foi junto.
Nos EUA e na Inglaterra, grandes consumidores das estatinas, a rejeição ao medicamento vem crescendo. O norte-americano Raymond Francis, químico formado pelo MIT (Massachusetts Institute of Tecnology) que se dedica a pesquisas sobre qualidade de vida, contesta, inclusive, que o colesterol seja mesmo responsável pelos problemas cardíacos. “O colesterol não causa doenças do coração”, afirma. “Os franceses têm a mais alta taxa de colesterol da Europa, ao redor de 250, mas as menores incidências de doenças do coração e metade dos ataques cardíacos dos Estados Unidos. Na ilha de Creta, berço da saudável dieta mediterrânea, um estudo de 10 anos falhou ao não conseguir encontrar um só ataque cardíaco, apesar das taxas de colesterol acima de 200″ (leia mais aqui). Outros estudos recentes dizem o mesmo: colesterol alto não é sinônimo de risco para o coração.
Raymond Francis publicou um vídeo no youtube onde diz com todas as letras: “Estatinas são veneno. Não previnem doenças do coração e não são seguras. Pelo contrário, há um aumento dos infartos entre as pessoas que usam estatinas. Ou seja, as estatinas causam doenças do coração”. Ele cita o cardiologista texano Peter Langsjoen, autor do estudo Estatinas podem causar problemas cardíacos, apresentado aos órgãos de saúde norte-americanos em 2002, em que advertia para o bloqueio, pelas estatinas, da produção da coenzima Q10 ou Ubiquinona, molécula que previne as doenças cardíacas. Em 2010, a FDA (Food and Drug Administration) finalmente advertiu para os riscos cardiovasculares com o uso de sinvastatina (Zocor, da Merck). É a estatina mais vendida no Brasil.
No site spacedoc, médicos norte-americanos anti-estatinas listam uma série de efeitos colaterais causados pelo medicamento: danos musculares, amnésia, diabetes, disfunção erétil, pancreatite, insônia, câncer, perda de energia… (leia os artigos aqui). Autor do livro 29 Bilhões de Razões Para Mentir Sobre o Colesterol, o britânico Justin Smith produziu um documentário e está preparando outro sobre os interesses financeiros por trás das estatinas, que, afirma, têm seus benefícios exagerados pela medicina tradicional. Entrevistei Smith por e-mail.
Socialista Morena – O que há de errado com as estatinas?
Justin Smith – Há muitos questionamentos. Primeiramente, temos que perguntar se a droga realmente beneficia as pessoas diante dos efeitos colaterais que acarreta. É preciso separar dois tipos de pessoas: as que foram diagnosticadas com um problema no coração e aquelas que não o foram. Para quem não foi diagnosticado como cardíaco, não há nenhum benefício em tomar estatinas, mas estas pessoas estarão expostas aos efeitos colaterais do remédio. Em uma estimativa realista, 20% das pessoas sofrem efeitos colaterais significativos. Milhares de pessoas têm relatado consequências muito sérias durante anos e muitas delas sofreram danos permanentes. Para quem foi diagnosticado com problema cardíaco há um argumento para usar estatinas. Mas os benefícios que estas pessoas podem ter não estão relacionados com a redução do colesterol. Este é um tema complicado e muitos médicos ainda estão debatendo os efeitos das estatinas. Para as pessoas com problemas cardíacos, as estatinas podem ser ao mesmo tempo boas e ruins. O lado positivo é que as estatinas podem estabilizar as placas nas artérias, reduzir a coagulação e melhorar o metabolismo do ferro –tudo isso é muito bom. No entanto, pelo lado negativo, as estatinas aumentam a quantidade de placas calcificadas nas artérias e potencialmente enfraquecem o músculo do coração ao bloquear a produção da coenzima Q10. Além disso, há uma ligação muito forte entre os baixos níveis de colesterol e uma vida mais curta. Como você vê, é uma decisão muito difícil para as pessoas diagnosticadas com problemas cardíacos tomarem.
SM – Alguns médicos me disseram que as estatinas não previnem ataques cardíacos. É isso mesmo?
JS – Há evidências de que as estatinas podem prevenir um segundo ou terceiro ataque cardíaco para quem já teve um infarto. Mas, para a população em geral, as estatinas têm um impacto muito pequeno contra os riscos de ataques do coração, possivelmente nenhum. Por outro lado, as estatinas têm sido associadas com mais de 300 efeitos adversos, em parte pelo fato de o colesterol ser uma substância extremamente importante para o corpo humano e a deficiência de colesterol ter enormes efeitos negativos para a saúde. As áreas mais afetadas são os músculos, o cérebro e o sistema nervoso e os olhos. Em alguns estudos, as estatinas foram associadas a um dramático crescimento no risco de câncer.
SM – Na época em que você lançou seu livro, falou em uma movimentação de 29 bilhões de dólares anuais com as estatinas. Quanto dinheiro elas estão rendendo à indústria farmacêutica atualmente?
JS – É muito difícil dizer, porque a maior parte delas teve a patente quebrada. No entanto, se olharmos para o mercado mais amplo das drogas redutoras de colesterol, há novos remédios surgindo e é um negócio que continua movimentando dezenas de bilhões de dólares cada ano.
SM – Você foi alvo de alguma ameaça por denunciar as estatinas?
JS – Não.
Em seu documentário, Statin Nation, Smith faz questão de destacar três pontos que vão em direção contrária ao que é apregoado pela medicina ocidental: as pessoas com colesterol alto tendem a viver mais; as pessoas com doenças no coração têm baixos níveis de colesterol; baixar o colesterol de uma população não reduz os índices de doenças cardíacas. E pergunta: “Será que os fatos sobre os problemas do coração, o colesterol e os remédios contra o colesterol têm sido distorcidos pela indústria farmacêutica para aumentar seus lucros?”
Não duvido. O que posso dizer com toda certeza, como jornalista, é: desconfie de médicos que prescrevem a torto e a direito remédios de uso contínuo cuja eficácia é controversa. Desconfie de reportagens que atribuem à “ciência” ou à “medicina” pesquisas patrocinadas pela indústria farmacêutica. Desconfie de revistas que colocam um medicamento como “milagroso” numa capa sem alertar devidamente para os riscos. Desconfie das estatinas.
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