Oito anos depois de travar uma luta necessária em defesa da CPMF, eliminada pela oposição no Congresso, Guido Mantega é agredido no saguão do Einstein: "Vai para o SUS!"
por Paulo Moreira Leite
A agressão sofrida por Guido Mantega no hospital Albert Einstein está destinada a se tornar um marco na conjuntura brasileira, em particular na cidade de São Paulo.
Mantega estava no Einstein, acompanhado da mulher, a psicóloga Eliane Berger, para fazer uma visita.
Os gritos de “Vai para o SUS”, “Safado” e outras manifestações escabrosas expressam uma violência mórbida.
Lembram uma observação de Franz Borkenau (1900-1957), um militante socialista que deixou a Alemanha em 1933, para se dedicar à luta contra as idéias de Adolf Hitler nas décadas seguintes. Borkenau combateu o fascismo na guerra civil espanhola e também colaborou com a resistência francesa. Produziu uma obra de testemunho, que se tornou uma das fontes primárias da filósofa Hannah Arendt para escrever os textos reunidos em Origens do Totalitarismo. Foi Borkenau quem observou que “o mal, em nosso tempo, exerce uma atração mórbida.” Ele estava se referindo especificamente ao nazismo de Hitler, mas suas observações têm um valor muito mais amplo.
Como diz Hannah Arendt:”É muito perturbador o fato de o regime totalitário, malgrado seu caráter evidentemente criminoso, contar com o apoio das massas. Embora muitos especialistas neguem-se a aceitar essa situação, preferindo ver nela o resultado da força da máquina de propaganda e da lavagem cerebral, a publicação dos relatórios, originalmente sigilosos, das pesquisas de opinião pública alemã dos anos 1939-44, realizadas pelos serviços secretos da SS, demonstra que a população alemã estava notavelmente bem informada sobre o que acontecia com os judeus, sem que isso reduzisse o apoio dado ao regime.”
Este é o ponto grave da cena no Albert Einstein. O grito “vai para o SUS” reflete o vigor dos preconceitos de classe em nossa sociedade, que persistem e possivelmente se aprofundaram em função do progresso realizado pelos brasileiros das camadas mais pobres, nos últimos anos.
Nascido numa família que habita as camadas mais altas de renda, aquelas que frequentam instituições privadas de saúde de padrão internacional, o ex-ministro foi condenado por sua opção política pelos que tiveram menores oportunidades — aquelas famílias que, com muita dificuldade, enfrentando carências muito conhecidas, conseguem tratar-se na rede pública, alvo de uma partilha injusta de recursos e subsídios que ajuda a entender a penúria de um setor e a prosperidade de outro.
Entre os presentes à cena, Mantega era, possivelmente, o único que podia orgulhar-se de ter feito o que estava a seu alcance — e quem sabe um pouco mais — para favorecer a saúde pública no país. Em 2007, quando a oposição derrubou a CPMF, taxa que garantia até R$ 40 bilhões para o atendimento dos mais pobres, Mantega lutou até o fim pela sua preservação.
A importância da agressão a Mantega não precisa ser exagerada para que se faça uma reflexão adequada sobre o que aconteceu.
Não há uma crise na democracia brasileira. Luiz Inácio Lula da Silva continua, de longe, o mais popular presidente de nossa história — exatamente porque é o avalista das grandes mudanças ocorridas nos últimos anos, das quais Guido Mantega foi um dos protagonistas principais.
Mas o ataque no Einstein foi um ato de rebaixamento moral — e a experiência ensina que ninguém tem o direito de fingir que nada aconteceu.
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