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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Dez considerações sobre o novo Congresso, que é a cara do Brasil

De acordo com estudo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o Congresso Nacional empossado, neste domingo, é conservador socialmente, atrasado do ponto de vista dos direitos humanos, temerário em questões ambientais, liberal economicamente e pulverizado partidariamente.


Por Leonardo Sakamoto Do blog do Sakamoto (reproduzido no Portal Geledés)


Sobre isso, reuni algumas considerações oriundas de debates que venho travando, por aqui, há algum tempo:

1) Parte dos mais votados fez sua carreira na mídia ou conseguiu entender a lógica da cobertura política e, produzindo factóides, surfando nessa lógica, mantendo-se constantemente em evidência em seus mandatos. Os três primeiros colocados para a eleição de deputado federal em São Paulo – Celso Russomanno (7,26% do total de votos), Tiririca (4,84%) e Marco Feliciano (1,90%) – bem como os três do Rio de Janeiro – Jair Bolsonaro (6,10%), Clarissa Garotinho (4,40%) e Eduardo Cunha (3,06%) – têm uma característica em comum: sabem se beneficiar da exposição midiática.

Discordo das avaliações de que eles foram os primeiros apenas por conta de suas pautas conservadoras. O conservadorismo está presente nas bancadas paulista e carioca (e não é de hoje), mas não é elemento suficiente para explicar essas expressivas votações. Até porque há outros representantes desse pensamento que foram candidatos, alguns deles com mais profundidade ou legitimidade em suas defesas, inclusive. Estes campeões de votos, em especial, souberam criar narrativas polêmicas que são um prato cheio para nós, jornalistas, ávidos por registrar e transmitir discursos que, por fugir do que acreditamos ser a forma tradicional de fazer política, chamam a atenção e produzem audiência.

2) Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil de caráter mais progressista sempre empurraram o Congresso Nacional para que ele fosse menos conservador do que a população do país. Em outras palavras, a força da mobilização e da organização desses grupos na política nacional conseguia fazer com que esse descompasso acontecesse entre a representação política e a realidade.

Boa parte desse pessoal, contudo, contava com relações com o Partido dos Trabalhadores e, na minha opinião, enfraqueceram-se ao fazer parte de sua base de apoio por várias razões – do “vamos influenciar o programa”, passando pela “escolha do menos pior”, resvalando ao “é um governo ruim, mas é melhor que o outro” ao “cargo amigo”. Além disso, houve um afastamento dos militantes tradicionais desses movimentos sociais ou mesmo de partidos políticos com o distanciamento do governo federal com pautas tradicionais da esquerda e a caminhada em direção ao pragmatismo político exacerbado.

3) Há um intenso desgaste com a atuação média de representantes sindicais que estavam no Parlamento, independentemente de partido. Não é que o motor capital-trabalho tenha deixado de empurrar a História, muito pelo contrário – David Harvey que o diga. Mas uma parte das pessoas que clamam para si a autoridade de falar pelos trabalhadores há muito só falam por interesses corporativistas (na melhor das hipóteses) ou por si mesmas, na maioria das vezes. Muitos deles nem participaram de ações importantes, como a aprovação da PEC do Trabalho Escravo ou a campanha contra a ampliação da terceirização legal.

4) Empresários são sempre bem representados. Em sua maioria, podem financiar campanhas que estão cada vez mais caras. Dessa forma, há uma distorção de representatividade: não são necessariamente grupos ou ideias que possuem assento, mas o dinheiro. Se não garantirmos limites para o financiamento privado de campanha, a situação vai só piorar. De um lado, aumentando a dificuldade de eleição de quem não tem recursos e não quer sujar as mãos para se eleger e, do outro, gerando mais corrupção através de quem aceita se “endividar” com doadores de campanha. Nesse meio do caminho, surgem “petrolões” e “trensalões” que ajudam a garantir financiamentos dos próprios partidos ou de duas bases aliadas.

5) A violência é um problema real no Brasil. Dezenas de milhares são assassinados anualmente e muito pouco é investigado, menos ainda indiciado, uma pequena fração julgada e quase ninguém punido conforme a lei. Mas as narrativas da violência urbana, que já existiam, circulam com mais força graças não apenas às redes sociais, mas também a determinadas pessoas que se dizem jornalistas mas, na verdade, espalham o ódio e o terror (lembrando, é claro, que a mídia pode funcionar como partido político). A situação da segurança pública é péssima mas, acredite: não raro, a espiral do vale-tudo pela audiência do jornalismo faz ela parecer o rascunho do mapa do inferno.

Há soluções mais efetivas do que a redução da maioridade penal (usada para atacar a “causa” do problema quando, na verdade, nem resvala na “consequência”). Contudo, mandar a criançada para o xilindró é um discurso facilmente deglutível – tanto que pesquisas mostram 93% da população a favor dele. Usar e abusar desse discurso, bem como o da repressão policial, ajudou a elevar o número de pessoas eleitas que surfaram no medo da população, aumentando as bancadas da bala e da segurança pública.

6) O número de parlamentares evangélicos cresceu porque tinha que crescer mesmo. Havia uma sub-representação desses grupos, organizados em uma série de igrejas com pontos de vista diferentes. Eles não formam um movimento coeso como a Frente Parlamentar da Agropecuária (que cresceu junto com a força econômica do agronegócio no país). Pelo contrário: há gente que se detesta de ódio mortal entre eles. E, ao contrário do que pregam críticos inconsequentes, nem todos são reacionários. Muitos são bem progressistas, diga-se de passagem.

7) Há uma desmotivação muito grande com a democracia representativa tradicional. Isso vale tanto para jovens que estão cheios de gás para “mudar o mundo” quanto para militantes, ativistas e figuras proeminentes da esquerda brasileira. Pessoas que, em outras épocas, aceitariam candidatar-se ao Parlamento para serem puxadoras de votos. Hoje, muitas querem distância. Tem medo de pegar tétano se chegarem muito perto.

8) Há boas pessoas que fazem um bom trabalho, independente do partido, sejam elas conservadoras ou progressistas. Pessoas que estão no parlamento e já honram a função que exercem e outras entrando pela primeira vez, cheias de ideias. Essas pessoas terão trabalho para garantir direitos adquiridos com base em lutas sociais ao longo de décadas. Isso se conseguirem se fazerem ouvidas.

9) O Congresso é o reflexo da população no que diz respeito à visão de mundo e ação diante desse mundo. Talvez não daquilo que ela gostaria de ser, mas daquilo que ela efetivamente é. Como já disse antes, com o resultado dessas eleições, não é que o Congresso tenha ficado pior. Ele apenas está mais parecido com o Brasil.

10) Acompanho pautas que dizem respeito à defesa dos direitos humanos. E marcos legais que garantem dignidade aos mais pobres, como a que pune o trabalho escravo contemporâneo, estão por um fio para serem mudadas e reduzidas. Parlamentares já elencaram essas leis como “barreiras” a serem removidas nos próximos quatro anos para garantir o “progresso”. A base do governo e a oposição, que possuem excelentes quadros para discutir e defender o interesse coletivo, parecem estar mais preocupados com governabilidade e obstruções. Então, além da pressão via mobilização social, vai sobrar para Deus. Não sou pessoa de fé. Mas se ele existir, que nos ajude.



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