“Tem uma lógica de respeito às pessoas”, diz mãe que procurou SUS para parto normal
no Blog do Planalto
O parto normal é o procedimento mais procurado no SUS
por usuárias de plano de saúde. Só no período de 2008 a 2012, 96.223
mulheres que possuem convênio médico realizaram seus partos na rede
pública. O dado é do mapeamento divulgado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e pelo Ministério da Saúde
sobre as operações de ressarcimento financeiro realizadas ao SUS pelas
operadoras de planos de saúde. Segundo a legislação, quando usuários de
planos de saúde utilizam a rede pública, as operadoras precisam
reembolsar o SUS pelo serviço.
De acordo com as mães, esse fenômeno tem acontecido em virtude da
dificuldade das gestantes em encontrar médicos na rede suplementar
dispostos a realizar um parto normal. Atualmente, no Brasil, 84% dos
partos realizados na rede privada são cesarianas. No SUS esse índice é
de 40%.
É o caso da enfermeira Thaís Severino, de 35 anos, que é mãe de
Helena, de oito meses. Usuária de plano de saúde desde 2012, após
procurar três obstetras do seu convênio, ela optou por realizar um parto
normal na Casa de Parto de São Sebastião, região no entorno do DF.
A
enfermeira Thaís Severino teve sua filha na Casa de Parto de São
Sebastião, no DF. Apesar de ser usuária de plano de saúde, ela optou por
um parto humanizado no SUS. Foto: Arquivo pessoal.
“Eu cheguei a fazer o pré-natal com três médicos na rede privada.
Os dois primeiros se predispuseram, inicialmente, a fazer o parto
normal, mas eu percebi que eles sempre destacavam muito as exceções e os
empecilhos ao parto natural nas consultas. Essa postura me fragilizava
muito”, conta a enfermeira que alega que a sua formação profissional foi decisiva para sua opção de fazer um parto normal.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)
o índice recomendável de cesarianas deve ficar em torno de 15%, já que o
procedimento é indicado apenas em casos em que haja complicações reais
para a mulher e para o bebê. No entanto, no Brasil, as cesarianas
marcadas tem sido priorizadas – sobretudo na rede privada – por questões
como a comodidade, já que permitem a compatibilização de agendas entre
mães e médicos, e a relativa praticidade do procedimento cirúrgico, que
não dura mais de duas horas.
“A verdade é que tem mesmo os profissionais que marcam a cesárea
porque têm que viajar, porque têm consulta depois. Foram questões como
essa que me ajudaram na decisão em fazer no SUS, porque eu sei que o SUS
não tem essa lógica. Não tem essa lógica de produção, de horário
marcado, na experiência que eu pude ver, tem uma lógica de respeito às
pessoas”, ressalta.
De acordo com a obstetra Renata Reis, a cesariana é uma cirurgia
extraordinária que sempre salvou muitas vidas. No entanto, a
profissional alerta que é fundamental que o procedimento seja realizado
de maneira necessária.
“A cesariana é uma cirurgia abdominal de médio porte. Todo
procedimento cirúrgico a gente tem que colocar na balança os riscos e os
benefícios. Eu enitendo que em uma cirurgia que não tenha indicação, que
não tenha necessidade, os riscos são muto maiores que os benefícios.
Esses riscos não têm justificativa”, alerta.
Segundo a médica, uma cesariana marcada representa uma chance três
vezes maior de morte tanto para a mãe quando para o bebê. Além disso, há
maiores chances de hemorragia, infecção, trombose, além dos riscos
relacionados à anestesia.
Para a criança, a principal consequência é a prematuridade e a
imaturidade pulmonar. De acordo com dados do Ministério da Saúde, as
cesáreas agendadas também aumentam em 120 vezes a probabilidade de
problemas respiratórios para o recém-nascido e é a principal causa do
encaminhamento de bebês para UTIs neonatais.
Renata também enfatiza que a única prova existente que um bebê está pronto para o nascimento é o trabalho de parto. “Realizar
uma cesariana marcada, ainda que seja em uma idade gestacional mais
avançada, com 39 ou 40 semanas, não significa que o bebê está pronto
para nascer. Talvez aquele bebê precisasse de mais tempo para estar
maduro. Quando não ocorre o trabalho de parto, o bebê não tem o seu
tempo respeitado”, alerta.
É o que também avalia a mãe de Helena. Segundo a enfermeira, a filha –
que nasceu com 40 semanas e cinco dias – nunca ficou doente, nunca
passou por uma UTI neonatal e nem por procedimentos invasivos como a
aspiração das vias aéreas.
“A Helena nasceu muito bem. Todo mundo dizia que ela parecia mais velha do que era. Ela é muito ativa. Eu acho que é porque ela nasceu no tempo certo, madura.
Quando ela nasceu ela já tinha o pescoço durinho, já fazia um monte de
coisas que as pessoas diziam que só crianças mais velhas faziam.
Sinceramente, eu não sei se essas crianças são assim porque não nascem
maduras, principalmente, quando se leva em conta o número de cesáreas
que são feitas hoje em dia”, avalia.
Ela ainda relata que durante a gravidez foi “bombardeada” por familiares e amigas para agendar logo uma cesariana: “Parece
que as pessoas que querem estar ativas no seu trabalho de parto, na
chegada do seu filho, estão fazendo uma coisa antinatural. A lógica está
completamente invertida”, argumenta.
Mudança de modelo
De acordo com a coordenadora de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Esther Vilela, o Governo Federal tem como objetivo instituir uma mudança no modelo de atenção ao parto e ao nascimento no País de modo a qualificar a assistência obstétrica e neonatal no Brasil.
De acordo com a coordenadora de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Esther Vilela, o Governo Federal tem como objetivo instituir uma mudança no modelo de atenção ao parto e ao nascimento no País de modo a qualificar a assistência obstétrica e neonatal no Brasil.
Para isso, ela destaca a importância da presença das enfermeiras
obstétricas ou obstetrizes na atenção às mulheres em partos de baixo
risco, a reformulação dos centros de parto normal em ambientes mais
acolhedores para as gestantes, além do respeito à privacidade e à
liberdade da mulher no momento do parto. “Nosso objetivo é trocar a
cesárea agendada por uma assistência qualificada e humanizada, que gere
grande satisfação para as mulheres”, afirma.
Nesse sentido, ela destaca o trabalho da Rede Cegonha
que busca qualificar a assistência ao parto normal no SUS. Segundo a
coordenadora, o projeto veio para alterar o modelo de assistência ao
parto a ao nascimento nos hospitais públicos do País, mudando as
estruturas e os processos de cuidado. Segundo ela, a ideia é reverter o
atual modelo tecnocrático e biologicista do parto por um procedimento
humanizado, acolhedor e respeitoso para a mulher e para suas famílias.
Parto humanizado
A Casa de Parto de São Sebastião é uma instituição, vinculada ao SUS, voltada ao parto normal humanizado. A unidade realiza uma média de 36 partos naturais por mês. Só no ano passado, foram 426 partos normais. Para serem atendidas no local, as mães precisam ter feito o pré-natal completo – o que representa um mínimo de sete consultas – nunca ter passado por uma cesariana e não apresentar indicativo de gravidez de risco, como pressão alta, por exemplo.
De acordo com a enfermeira obstétrica e diretora da Casa de Parto,
Jussara Vieira, uma casa de parto ou um centro de parto normal busca ao
máximo atender às necessidades da mulher, proporcionando conforto e
privacidade para a mãe e seu acompanhante.
Ela destaca que esses centros são equipados com vários materiais que
funcionam como métodos não farmacológicos de alívio da dor como bolas,
barras, banheiras e chuveiros com água morna. Além disso, ela ressalta
que os profissionais do local são altamente capacitados para dar toda a
assistência necessária à gestante.
É o que também argumenta Thaís. Segundo a mãe de Helena, a Casa de
Parto não tem luxo, nem serviços de hotelaria, mas tem toda a estrutura
necessária para a realização de um parto humanizado. Quando indagada se
havia se arrependido de trocar uma possível cesariana no seu plano de
saúde por um parto normal no SUS, ela respondeu que encontrou muito mais
segurança na Casa de Parto de São Sebastião.
“Em nenhum momento eu me arrependo. A verdade é que eu não acho
que eu teria segurança no meu plano de saúde. Eu não acho que eu
entrando num hospital, com os médicos que me atenderam do plano, eu
conseguiria ter um parto normal. E na Casa de Parto, com os
profissionais que conheci, com os princípios que eu sei que eles têm, eu
me senti bem mais acolhida e segura”, ressaltou.
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