A edição n°159 de dezembro de 2015 da revista Radis, que está disponível on-line, aborda como tema principal As filas da saúde, sob o aspecto do direito à saúde, da qualidade do acesso e da atenção no SUS, discussão central da 15ª Conferência Nacional de Saúde. A reportagem explica que a Unidade Básica de Saúde - também conhecida como posto de saúde, ou centro municipal de saúde ou clínica da família - é a principal porta de entrada para o sistema, onde acontecem consultas, vacinações, alguns exames e procedimentos simples como aferição de pressão e distribuição dos principais medicamentos. As outras entradas possíveis no sistema de saúde são as emergências - nos hospitais ou ambulatórios -, e a fila ‘virtual’ para transplante de órgãos (que só é feito pelo SUS, mesmo quando o paciente tenha realizado todo o atendimento e tratamento prévio no sistema privado). “A atenção básica é a ordenadora do sistema, e ela poderia resolver efetivamente 80% ou mais dos problemas de saúde da população sem precisar encaminhar para uma consulta com especialista”, avalia Janise Braga Barros, professora do Departamento de Medicina Social da USP de Ribeirão Preto. O que provoca as filas desordenadas, aflição nos usuários e falta de comunicação é, quase sempre, resultado de um mau gerenciamento da informação, avaliam especialistas.
De acordo com a matéria, a lógica que rege quem é atendido primeiro e quem fica para depois é chamada tecnicamente de regulação da assistência. “É por meio de um complexo regulador que o SUS promove o cruzamento dos recursos existentes — profissionais na atenção básica, especialistas, exames, procedimentos, leitos, cirurgias, medicamentos e transplantes — com a demanda da população e determina o caminho que o usuário deve percorrer no atendimento, às vezes com menos, às vezes com muitos percalços. É o complexo regulador que identifica onde estão as vagas disponíveis e determina quem terá prioridade sobre elas.”
Em sua tese de doutorado Avaliação do complexo regulador do sistema público municipal de serviços de saúde, defendida na pós-graduação em Saúde Pública na Escola de Enfermagem da USP, em Ribeirão Preto, Janise Braga Barros observou que organizar a regulação da assistência implica organizar o modelo de atenção. “A base do complexo regulador é o mapa assistencial — mapear e quantificar os recursos disponíveis, na rede própria e conveniada, e cruzá-los com a demanda. Ela conta que na sua cidade, Ribeirão Preto, o acesso não estava organizado. “Até 2005, era ordem de chegada para tudo. A ordem de chegada é comum, mas não é um bom critério, porque permite que casos menos graves passem na frente de outros que necessitariam de maior rapidez”, explicou ela à Radis.
Na reportagem A medida da fila, o atual presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira, opina: “Hoje, boa parte das filas é consequência de uma atenção básica ainda não resolutiva, que não resolve 80% da demanda”, diz Mauro, secretário de saúde de São Lourenço (MG), acrescentando que considera necessário investir fortemente em formação médica e capacitação pernanente das equipes. Para ele, a atenção básica é prioritária para ordenar e diminuir as filas. A formação profissional adequada ao modelo público também é citada pela professora Lenir. Ela indaga: “Como garantir um modelo público fundado na atenção básica como principal porta e ordenadora do acesso, sem pessoal capacitado para esse exercício?”
Além dos problemas relacionados à atenção básica, subfinanciamento e formação médica, a conselheira da Abrasco, Marília Louvison, aponta ainda como fator que agrava as condições das filas na saúde o processo de envelhecimento populacional em toda a América Latina, que se traduz em uma verdadeira revolução da longevidade e acaba por ampliar o desafio do incremento das condições crônicas, que demandam cuidados ao longo de toda a vida. Some-se a isso também os desafios relacionados à violência e às doenças emergentes. “Não podemos deixar de considerar que temos ainda importantes ‘vazios assistenciais’ que demandam ampliação de oferta em todo o país e que a distribuição da capacidade instalada de serviços de maior complexidade se traduz em importantes desigualdades no uso e acesso de serviços de saúde”, completa.
Ainda sobre as filas do SUS, a Radis entrevistou Alexandre Marinho, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dedicado a estudar as consequências sociais e econômicas desse problema no sistema. Para ele, não dá para resolver o problema das filas em saúde com amadorismo. “Não há pretensão de zerar todas as filas, porque a demanda sempre será maior do que a oferta, mas é preciso criar mecanismos para a gestão do problema, que garantam o acesso à saúde como um direito para toda a população.”
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