Com nossos
cumprimentos, cabe-nos expressar reflexão sobre a possibilidade de provocar o
Sistema Único de Saúde para dispensação a pacientes em tratamento oncológico da
substância química fosfoetanolamina, anunciada em meios de comunicação
como supostamente eficaz para o tratamento de diversos tipos de câncer.
Até hoje a
substância não é registrada na ANVISA como medicamento e está em fase
experimental de pesquisa, somente como produto químico, na Universidade de São
Paulo, ainda sem estudos sobre a ação em seres vivos, muito menos estudos
clínicos controlados em humanos. Assim, para além de o produto não estar
cadastrado como remédio, não foi analisado cientificamente ainda para esse fim
e, portanto, não são conhecidas as consequências do seu uso. Ou seja, além de
não haver evidências terapêuticas, não está quantificada sua segurança
farmacológica e seus eventuais efeitos adversos.
Portanto, para
além de ser vedado, em todas as esferas de gestão do SUS, dispensação,
pagamento, ressarcimento ou reembolso de medicamento ou produto experimental ou
de uso não autorizado pela ANVISA (art. 19-T, da Lei n. 8080/90) – o que já
implicaria em empecilho jurídico para se buscar o emprego dessa substância no
âmbito do sistema público de saúde – não há nenhuma segurança técnica, como
dito, sobre os possíveis efeitos colaterais no seu uso por seres humanos.
O Tribunal de
Justiça de São Paulo, em sede de pedido de suspensão de decisão para entrega
dessa substância a portadores de câncer, asseverou que “a substância pedida
não é medicamento – já que assim não está registrada. Não se trata tampouco de
droga regularmente comercializada, mas de um experimento da Universidade de São
Paulo. (...) Por todos esses fatos, não seria recomendável a equiparação da
situação de entrega da fosfoetanolamina à dispensação de medicamentos: não há,
como sói acontecer nas demandas por remédios, uma possível falha do Estado ao
não pôr à disposição dos pacientes determinado fármaco existente no mercado (…)
Em
contrapartida, não se podem ignorar os relatos de pacientes que apontam melhora
no quadro clínico. Pondo-se de parte a questão médica, que se refere à
avaliação da melhora, do ponto de vista jurídico há uma real contraposição de
princípios fundamentais. De um lado, está a necessidade de resguardo da
legalidade e da segurança dos procedimentos que tornam possível a
comercialização no Brasil de medicamentos seguros. Por outro, há necessidade de
proteção do direito à saúde. Por uma lógica de ponderação de princípios em que
se sabe que nenhum valor prepondera de forma absoluta sobre os demais, tem-se
que é a verificação do caso concreto a pedra de toque para que um princípio se
imponha. Conquanto legalidade e saúde sejam ambos princípios igualmente
fundamentais, na atual circunstância,
o maior risco de perecimento é mesmo o da garantia à saúde. Por essa linha de
raciocínio, que deve ter sido também a que conduziu a decisão do STF, é
possível a liberação da entrega da substância”.
(Autos sob n. 2194962-67.2015.8.26.0000, de suspensão de liminar, Relator José
Renato Nalini, Órgão Especial do TJSP, publicado em 28.10.2015).
Nesse sentido, a liminar concedida pelo
Ministro Edson Fachin, no STF, exclusivamente a uma paciente em estado terminal
de câncer, foi baseada em laudo médico fundamentado, no sentido de
mitigar os sintomas apresentados. E, nessa hipótese, a responsabilidade
integral pelas consequências do uso da substância na paciente recaem ao médico
subscritor. A especificidade desse caso concreto não espraia influência para
todos os demais.
No Paraná, desconhece-se até o presente
momento prescrições médicas, de uso da
fosfoetanolamina, em tratamento oncológicos, mas, ainda assim, há alguns pacientes e/ou familiares aportando às
Promotorias de Justiça (inclusive de Curitiba), demandando providências
ministeriais, inclusive para a obtenção das prescrições médicas dessa
substância.
Diante deste
cenário, este Centro de Apoio Operacional solicitou formalmente manifestação
técnica do Conselho Regional de Medicina, para externar manifestação acerca da
propriedade das indicações médicas do uso dessa substância.
A posição
oficial de tal órgão, externada no ofício n. 267/2015, subscrito pelo
Presidente do CRM-PR, é a de que “… a fosfoetanolamina é uma substância que
não foi testada clinicamente em pacientes, portanto, seus efeitos terapêuticos,
riscos de uso e eventuais efeitos colaterais são desconhecidos. Assim sendo,
não há no momento nenhuma evidência científica para seu uso em oncologia, até
que indispensáveis protocolos de pesquisa venham a demonstrar sua indicação de
efetividade”.
Por todos
esses fundamentos, a manifestação do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias de Proteção à Saúde Pública é no sentido de não ser desejável, por
ora, qualquer intervenção ministerial para se tutelar os interesses de
pacientes e/ou seus familiares para o uso dessa substância em tratamento
oncológico. Não obstante, é de se compreender a pretensão subjetiva de pessoas
interessadas em alcançar suposto benefício para sua saúde, principalmente
quando abalada por grave moléstia, o que recomenda especial trato no
acolhimento de tais indivíduos nas Promotorias de Justiça e nas respectivas
orientações e esclarecimentos.
Na oportunidade, ratificamos-lhe nossa
manifestação da mais elevada consideração.
MARCO ANTONIO TEIXEIRA
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FERNANDA NAGL GARCEZ
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Procurador de Justiça
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Promotora de Justiça
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