Chamado de "ministro da doença" pelos críticos, Barros desmontou áreas estratégicas, demitiu servidores e corre para sucatear a rede pública, enquanto cria planos que cobrem só consultas e exames
ARQUIVO/CEBES
Protesto contra a visita de Barros ao congresso do Conasems, em Fortaleza, em junho
Mal foi empossado titular da Saúde pelo governo interino de Michel Temer, o deputado federal (PP-PR) Ricardo Barros logo mostrou a que veio. Na primeira entrevista coletiva, em 13 de maio, deixou claro não ser do ramo e que sua atuação à frente da pasta seria pautada exclusivamente pelo "austeridade" no controle dos recursos. Para isso, iria investir no aperfeiçoamento de um sistema de informações que identificasse os gastos do SUS nos estados e municípios.
Ele já previa o corte de R$ 11,77 bilhões do orçamento da Saúde que Temer autorizaria dali a dez dias. Com dotação aprovada de R$ 103,27 bilhões, a pasta ficará com R$ 91,5 bilhões.
Em seu terceiro dia como ministro, Barros afirmou que o país não tem como cumprir sua obrigação constitucional de garantir saúde para todos os brasileiros. E que o tamanho do SUS deveria ser redimensionado e ajustado ao tamanho do orçamento. Além disso, afirmou que "quanto mais gente puder ter plano de saúde, maior será o alívio do governo para sustentar o SUS."]
A declaração foi repudiada pelos setores em defesa da saúde pública. Barros virou alvo de escracho em todos os compromissos oficiais e escritórios do Ministério em várias cidades foram ocupados para denunciar e repudiar o desmonte anunciado. Em 2 de junho, as vaias o impediram de se pronunciar na abertura do congresso do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), realizado em Fortaleza.
No dia 5 de agosto, quando as atenções estavam voltadas para a abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o Diário Oficial da União publicou a criação, pelo Ministério, de um grupo de trabalho para discutir as diretrizes para os chamados planos populares, defendidos como estratégia para desafogar o sistema público.
Em entrevista à RBA, o professor da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina Coletiva (Abrasco), Mário Scheffer, afirmou que planos são baratos porque têm cobertura reduzida, abrangendo apenas atendimento ambulatorial, com consultas e exames simples, enquanto que o SUS continua afogado, custeando procedimentos mais caros. Disse ainda que suspeita de que a criação desses planos, que já existem e têm pouca procura, abriria as portas para o retorno ao tempo anterior à regulação do setor. "Um período em que a cesta de cobertura era mínima, praticamente ambulatorial, excluindo desde tratamentos caros, como atendimento a doentes de câncer e de aids, até mais baratos, como fisioterapia."
Em 28 de julho, quando exonerou 315 servidores sob alegação de que comporiam um suposto "aparelhamento do Partido dos Trabalhadores", Barros demitiu a coordenação da auditoria do SUS para colocar pessoas de sua confiança "para o maior controle dos recursos".
Além disso, desfalcou os departamentos que respondiam pela gestão participativa, orçamento e tecnologia, pela saúde indígena e por estratégias de cuidados com doenças transmissíveis – este já estava prejudicado desde maio, quando Fábio Mesquita, que controlava o departamento de DST, aids e hepatites virais se antecipou e pediu demissão.
Constrangedor
Acostumado a dizer o que pensa sem se preocupar com as reações, Barros tem colecionado "pérolas". Em 15 de julho, afirmou que muitos pacientes recorrem ao médico por imaginar doenças. E em 11 de agosto, durante lançamento da cartilha Pré-natal do Parceiro, afirmou que, além de os homens disporem de "menos tempo" do que as mulheres (por trabalharem mais, na versão dele), eles fazem menos acompanhamento médico por uma questão de hábito e de cultura.
Disposto a adotar toda e qualquer tecnologia, conforme disse em sua primeira entrevista à frente do Ministério, Barros endossa estratégias arriscadas à saúde pública, que ainda não foram estudadas suficientemente. Entre elas, a soltura de mosquitos transgênicos para o combate do mosquito Aedes aegipty, transmissor dos vírus da zika, da dengue e da febre chikungunya. "O negócio é matar o mosquito, atacar o vetor", disse.
Sem deixar dúvidas de que não é mesmo do ramo, assinou, junto com Michel Temer, a Lei 13.301, de 27 de junho, que autoriza a pulverização aérea de inseticidas sobre as cidades para combater o Aedes. A recepção da nova lei foi unânime: todas as entidades, movimentos e sociedades médicas e ambientalistas são contrárias a ela e pedem sua revogação. Os especialistas alertam que, em função de diferentes relevos, da altura dos prédios e de de torres de transmissão elétrica, os aviões terão de espalhar os venenos voando em altas altitudes, sobre jardins, parques, hospitais, escolas, praças, cursos d'água, animais e até de hortas orgânicas cultivadas na zona urbana. Além disso, faltam estudos sobre a eficácia dessa estratégia, uma vez que os mosquitos vivem basicamente em áreas escuras e quentes, geralmente dentro das casas.
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