Pintou uma crise, pintou oportunidade de cortes em investimentos públicos e políticas sociais para aqueles que nunca aceitaram aquilo que está escrito na nossa Constituição: Saúde é um direito de todos e dever do estado
Já dissemos aqui neste espaço que a Saúde faz parte do prato principal do banquete do golpe. Não à toa, ministros do agora mundialmente conhecido “Mr. Fora Temer” já declararam: o SUS não cabe no orçamento. Tesouras afiando-se.
A curto prazo, significa retração no repasse aos estados e municípios para um conjunto de obras estruturais que garantiriam mais condições de trabalho para os profissionais de saúde e humanização e segurança aos usuários. Já temos cortes em programas estruturantes, como o apoio aos municípios para informatização na atenção primária e aos Mais Médicos.
E a médio prazo, algo gravíssimo se apresenta: o congelamento por 20 anos dos investimentos públicos. Disfarçado de “teto máximo de gastos”, esta medida é inédita dentro de todos os arsenais já empregado no Brasil pelos defensores do Estado mínimo.
Os defensores de tais saídas se sustentam não apenas nos seus princípios ideológicos, mas em uma suposta superioridade, ao longo da história, da solução que defendem. Qualquer contestação que, no século passado receberia o carimbo de comunista, hoje recebe o título de ultrapassado ou irresponsável, mesmo após crise americana de 2008 ter chamuscado a supremacia absoluta do ”deus” mercado.
Um novo estudo publicado pelo IPEA, “Crise econômica, austeridade fiscal e saúde: lições podem ser aprendidas“, traz mais do que argumentos ideológicos. Traz uma profunda revisão de estudos e evidências das relações entre crise econômica, saúde e os impactos das medidas baseadas nas políticas de austeridade. Trazer à luz estes dados é fundamental para reforçar a resistência contra a voracidade daqueles que, da arrogância de tomarem o governo federal com um golpe, ensaiam a destruição do direito à Saúde.
O estudo mostra o quanto as medidas de cortes na área da saúde podem comprometer também a recuperação econômica de um país. Afinal, a Saude não é apenas um campo de direitos fundamentais, mas também um setor estratégico da economia: demanda quase 7% do PIB brasileiro e cerca de 9% do PIB de países europeus.
Mais do que a evolução do PIB, os estudos mostram que indicadores de desemprego, queda de renda e redução da capacidade de consumo apresentam uma relação direta com a vida e a saúde das pessoas. O desemprego está diretamente relacionado a insatisfação, depressão e insônia. Nos países europeus para cada 1% de aumento da taxa de desemprego há o registro de 0,79% de aumento na taxa de suicídio.
A queda na renda gera impacto direto nos padrões de consumo das famílias, nos hábitos alimentares, no aumento do consumo de bebida alcoólica com mais alto teor etílico. Em países com forte participação do setor privado na assistência farmacêutica e seguro à saúde, a queda de renda leva a uma profunda restrição de acesso ou interrupção de tratamentos continuados.
Os dados são categóricos: crises econômicas levam ao aumento de mortalidade por todas as causas. A exceção, no caso de países europeus, está justamente nas nações que mantiveram seu sistema de proteção social fortalecido no período das crises.
A partir da avaliação das respostas praticadas por países europeus revela-se, ao contrário do que pregam os defensores dos cortes sociais no Brasil, que aqueles que praticaram a combinação de cortes no orçamento da Saúde, com fechamento de serviços, redução de salários, aumento de cobrança total ou co-pagamento de exames e medicamentos, restrição ao atendimento a imigrantes e população de rua registraram pioras nos indicadores de saúde e não apresentaram recuperação econômica. Ou seja, cortes fazem mal para a Saúde e para a economia.
Os mesmos estudos revelam claramente que as políticas de austeridade buscam cumprir orientações dos fundos investidores. Revelam também que eles são ainda mais nocivos quando os países assinaram acordo com o FMI. No Brasil, além do interesse imediato de investidores financeiros, os anúncios do governo golpista tem o outro objetivo: destruir qualquer perspectiva de um sistema público universal, para abrir e desregulamentar este grande mercado para o setor privado.
Não à toa o coquetel de cortes prevê o congelamento dos investimentos por 20 anos e redução no controle sobre planos de saúde. Medidas que contrariam inclusive as recomendações da OMS/ONU, que em 2009, em resposta as medidas desastrosas em vários países, propôs preservar o investimento em saúde, proteger renda, fortalecer a atenção primaria por estar aberta à vulnerabilidade e gerar eficiência.
Tudo isso reforça que temos que resistir de todas as formas. Tá bonito ver a energia e vontade de luta que ocupa as ruas crescendo a cada dia, inclusive com enfrentamento à bárbara atuação da PM. Todo poder às ruas. Mas é importante também aumentarmos o tom da defesa em todos espaços institucionais. Aqui na Prefeitura de São Paulo demos mais um passo, com um projeto de lei que aumenta em 33% o percentual obrigatório de recursos para a Saude no município. Enquanto o golpe desvincula recursos públicos, nós aumentamos. A luta é todo dia e todas as formas!
*Alexandre Padilha é médico e secretário municipal da Saúde de São Paulo. Foi ministro da Saúde no Governo Dilma e das Relações Institucionais no Governo Lula.
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