Financiado por um gigante dos planos, Barros pretende desregulamentar o setor suplementar
Primeiro ministro da Saúde sem formação na área desde 2003, Ricardo Barros chegou ao cargo pelas mãos de Michel Temer, após indicação do PP. Apesar de pouco conhecido fora do Paraná, seu estado natal, ele começou a ganhar rapidamente espaço nas manchetes de jornais pelo País por conta das dezenas de gafes colecionadas em três meses à frente da pasta. Mas o despreparo do ministro, engenheiro civil de formação, parece ser só um alerta do mal maior que pode representar para a saúde pública brasileira.
Isso porque Barros tem feito de tudo para levar à frente a proposta de criação de planos de saúde populares, agora definidos “acessíveis”. A ideia seria diminuir as exigências mínimas de cobertura, impostas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) às administradoras, para que possam oferecer planos mais baratos à população. Argumento do ministro: não há recursos e, quanto mais pessoas forem atendidas na saúde suplementar, melhor para o Sistema Único de Saúde (SUS).
A proposta abre precedentes perigosos, segundo as principais entidades do setor. A grande preocupação é de que o mercado de saúde retroceda ao que foi antes de sua regulamentação, na década de 1990. É justamente com a criação da ANS que as empresas foram obrigadas a oferecer um rol de atendimentos mínimos, antes de terem autorização para comercializar os planos.
A proposta traz uma realidade já sofrida, cenário sem regras. “O que você faz na sequência é a exclusão de doenças: volta ao mundo em que Aids, enfermidades cardíacas e hemodiálise não tinham cobertura no Brasil”, explica o médico e ex-diretor-presidente da ANS Fausto Pereira dos Santos.
De acordo com Pereira dos Santos, uma parcela das empresas de planos de saúde nunca se conformou com a regulação e luta pela flexibilização do rol de atendimentos. A outra crítica feita é que a proposta não traz novos recursos para o setor. Pelo contrário, deteriora ainda mais o SUS.
Na prática, as empresas ficariam com a parte mais barata do processo, oferecendo planos de cobertura com atendimentos ambulatoriais, o que inclui consultas, exames e primeiros socorros. Os procedimentos mais caros continuariam a cargo do sistema público.
“Todos nós somos usuários do SUS, querendo ou não. Os planos de saúde não dão cobertura integral. Então, vacinas, transplantes, resgate, tudo é SUS”, explica o presidente do Conselho Nacional de Secretariais Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Guimarães Junqueira. “O plano vai fazer a cobertura barata, do atendimento médico, e depois o usuário volta para o sistema público de saúde. Isso desorganiza o nosso sistema.”
Não é só a proposta que desagrada às mais diversas entidades de saúde. A forma como o ministro vem conduzindo o debate também provoca reações contrárias. No começo de agosto, Barros publicou uma portaria em que cria um Grupo de Trabalho para apresentar, em até 120 dias, um relatório sobre o assunto. Do grupo, participarão membros do Ministério da Saúde, da ANS e da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização.
A própria ANS, em todo caso, emitiu uma nota oficial dizendo que “não tinha conhecimento prévio” sobre o assunto. Desde o constrangimento, só quem tem falado a respeito é o próprio ministro. A ANS tem direcionado os questionamentos ao ministério, mas nega que seja ordem dada por Barros.
Até mesmo o Conselho Federal de Medicina uniu-se contra a proposta. A entidade divulgou uma nota em que diz que a ideia só beneficia “os empresários da saúde suplementar, setor que movimentou, em 2015 e em 2016, em torno de 180 bilhões de reais”. “O Conselho não vai participar da discussão sobre a implementação de uma proposta que não concorda”, explica o presidente Carlos Vital Tavares.
No dia 18 de agosto, o Conselho Nacional de Saúde, colegiado formado por entidades representantes das mais diversas áreas da saúde, também aprovou uma moção contra os “planos acessíveis”. Decidiu ainda, em reunião, não participar do grupo de trabalho.
O ministro Barros estava presente, mas foi embora antes que o assunto entrasse em discussão. “Trata-se de uma falsa solução que coloca na conta do trabalhador o subfinanciamento da saúde”, diz o presidente do Conselho, Ronald Ferreira dos Santos.
A proposta ainda guarda na reeleição de Ricardo Barros, para deputado federal em 2014, parte de seu descrédito. O maior doador individual da campanha do ministro foi Elon Gomes de Almeida, presidente do Grupo Aliança, administradora de benefícios de saúde.
Foram 100 mil reais declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em resposta, a assessoria do ministro rebate que essa doação correspondeu a apenas 3,1% do total recebido por Barros na campanha.
“O ministro está vendo nesse processo uma janela de oportunidade para que ele possa, de alguma forma, retribuir”, critica o ex-diretor-presidente da ANS, antes de lembrar que Barros foi relator da Lei Geral das Agências Reguladoras. “Ele viu oportunidade de formular uma proposta que quebra a espinha dorsal da regulamentação dos planos de saúde.”
Procurado por CartaCapital, o ministro nega ter a intenção de beneficiar os planos de saúde. Acentua: ninguém é obrigado a aderir aos seguros. E critica as entidades que se recusaram a participar do debate. “Quem tem cabeça aberta pode participar e discordar. Não é com estas pessoas que tenho de me preocupar. Tenho com as que querem discutir e contribuir.”
*Reportagem publicada originalmente na edição 916 de CartaCapital, com o título "O ministro dos planos de saúde".
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