Diante das dificuldades do Sistema Único de Saúde (SUS), o setor vai enfrentar ainda mais restrições com o eventual corte de despesas fixado na proposta de emenda à Constituição (PEC 241/2016) que limita os gastos da União, estados e municípios nos próximos 20 anos, matéria em tramitação do Congresso e jáaprovada em primeiro turno na Câmara, na noite de ontem (segunda, 10). A constatação é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Diante da possibilidade de promulgação da PEC, o Ipea divulgou um levantamento que detalha as implicações para o financiamento do SUS e para a garantia do direito à saúde caso o novo regime passe no Legislativo. Segundo o estudo, o setor perderia mais de R$ 600 bilhões entre 2017 e 2036, caso a legislação entre em vigor (leia mais abaixo).
O documento destaca que os principais problemas do Sistema, já avalizados em debate do setor, são o financiamento e a gestão. Ambos considerados “insuficientes” pela pesquisa. E a partir da sugestão de desvincular as despesas da Saúde da Constituição, o Ipea avaliou que ao instituir o congelamento de gastos, mesmo com a possibilidade de solicitar mais recursos para a Saúde ao Congresso, seria “pouco provável” que o Legislativo autorizasse qualquer repasse maior para o SUS.
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“Melhorar a gestão, sempre recomendável, pressupõe investimento na capacitação de recursos humanos, na modernização de processos de trabalho, em sistemas informacionais e na infraestrutura tecnológica, e para isso é preciso dispor de recursos financeiros suficientes e estáveis, e de decisão política como requisito indispensável”, avaliam os pesquisadores.
“Ao instituir um teto de gasto para as despesas primárias, congelando as despesas com saúde e educação, e com o já esperado aumento das despesas com benefícios previdenciários (Brasil, 2016), o espaço para a ampliação do orçamento da saúde ficaria mais reduzido, pois isso implicaria o comprometimento das demais despesas, inclusive das despesas com outras políticas sociais. Segundo, porque a história do financiamento público de saúde no Brasil revela que a sua estabilização somente ocorreu com a vinculação das despesas, estabelecida pela EC 29″, explica o texto.
No levantamento, o Ipea detalha que, caso a PEC estivesse valendo desde 2003, a perda real até 2015 seria de R$ 257 bilhões a menos do que o investido no período com a regra atual. A pesquisa também avaliou que nos últimos anos o financiamento federal para o SUS esteve entre 1,6% e 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Em caso de aprovação da nova proposta, esse valor ficaria em 1,51% do PIB. Em 2036, somente 1,22% do PIB será direcionado ao SUS.
De acordo com os dados publicados na nota técnica, a cada ano que a economia do Brasil crescer, o investimento na Saúde vai cair. Os pesquisadores Fabiola Sulpino Vieira e Rodrigo Pucci de Sá e Benevides alertam ainda que, “no cenário com taxa de crescimento real do PIB de 2,0% ao ano, a perda acumulada no período [2017 a 2036] seria de R$ 654 bilhões”.“Nota-se que, quanto melhor for o desempenho da economia, maior será a perda para a saúde em relação à regra de vinculação vigente. O único cenário sem perda em relação ao orçamento de 2016 é o de crescimento econômico zero, onde haveria perdas somente na comparação do valor per capita”, atentam os pesquisadores.
Crescimento populacional
Utilizando sondagem produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesquisa também alerta para o aumento populacional. Em 2013, o estudo de projeção da população do Brasil para o período de 2000 a 2060 mostrou que em 2036 o país terá 226,9 milhões de habitantes. Ou seja, 10,1% a mais que o contabilizado em 2016. Assim, estaria referendada mais uma redução dos gastos públicos per capita com saúde.
“O crescimento populacional no período 2017-2036 provocaria uma redução do gasto público federal com saúde per capita em caso de aprovação da PEC 241, chegando a R$ 411 em 2036, em R$ de 2016. Já com a manutenção da regra vigente, o valor per capita depende da taxa de crescimento do PIB e acompanha o crescimento dessa taxa: com crescimento de 0,0%, o valor per capita chegaria em 2036 a R$ 460; com 1,0% ao ano, a R$ 556; com 2,0% ao ano, a R$ 671, e, com as taxas da projeção atuarial do Regime Geral da Previdência Social, a R$ 822″, detalha a pesquisa.
Grupos vulneráveis
Outra preocupação relatada pelos pesquisadores é sobre os grupos vulneráveis – os mais afetados com a nova proposta. A redução do financiamento do SUS prejudica com maior intensidade os grupos sociais desamparados pelo Estado. A pesquisa ressalta que “pode-se esperar, ainda, maiores dificuldades de acesso, principalmente nos estados mais pobres, que mais dependem das transferências federais para financiamento da saúde”.
“Também não se pode deixar de mencionar a provável repercussão sobre os programas preventivos. A pressão da demanda dificulta o corte de despesas nos serviços de urgência e emergência e pronto atendimento. Em uma situação de restrição orçamentária importante, é provável que as ações e serviços de prevenção e promoção à saúde sejam mais afetados, o que não é uma boa escolha em saúde pública. É muito mais barato promover e prevenir do que tratar pacientes crônicos, cujos agravos poderiam ter sido evitados”, diz o documento.
Outra análise detalha que a aprovação da nova PEC limitaria a possibilidade de reduzir as desigualdades na oferta de bens e serviços de saúde no Sistema de Saúde. De acordo com a pesquisa do Ipea, com a redução dos recursos “ficaria mais difícil ampliar a oferta de serviços em localidades desprovidas da infraestrutura adequada”.
“Outro efeito esperado da redução da parcela federal do financiamento do SUS é o de aumento da judicialização da saúde. Com o estrangulamento da oferta de bens e serviços no SUS, é muito provável que as pessoas tentem garantir o acesso por meio da justiça, o que contribuiria para um desequilíbrio ainda maior na distribuição da oferta de bens e serviços entre os grupos sociais, em desfavor da parcela mais vulnerável da população”, alerta o documento.
Debate público
A conclusão do estudo é que existem maneiras para melhorar o desempenho do SUS. Mas, para isso, é preciso que existam decisões políticas capazes de implementar medidas que “promovam o uso eficiente dos recursos em toda a federação”.
“Não parece crível que os recursos do SUS possam ser reduzidos na atual situação e que se possa ao mesmo tempo melhorar sua eficiência. É preciso investir em pessoas e tecnologias, além de melhorar a infraestrutura do sistema, algo difícil de fazer no curto prazo. Para tanto, é necessário alocar recursos. O que se espera é que a PEC 241 seja amplamente debatida e que seus efeitos sejam avaliados não apenas para a economia, mas acima de tudo para as pessoas, para os 206 milhões de cidadãos do país. Essa mudança constitucional reduzirá o grau de liberdade da política fiscal dos dois próximos mandatos presidenciais, e não deveria ser aprovada sem um amplo debate. Que visão de futuro se tem para o Brasil? Espera-se ter um país socialmente mais desenvolvido daqui a vinte anos? Então é preciso refletir sobre os impactos de uma decisão que ocasionaria o desfinanciamento de políticas que promovem a saúde e a inclusão social no país”, conclui o diagnóstico.
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