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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Ion de Andrade rebate ministro: Ideológica é a sua opção pelas empresas contra os direitos da população

no VioMundo


Pode um ministro da saúde ameaçar a ordem constitucional?


Na semana passada o ministro da Saúde Ricardo Barros foi a público, em entrevista à BBC, dar como inviável o princípio constitucional da saúde como direito de todos e dever do Estado.

A suposta falta de recursos estaria na raiz do problema. Os planos de saúde, mais baratos e com menor cobertura, seriam a solução.

É evidente que o Ministério da Saúde já teve ministros preocupados com o financiamento da saúde, como foi o caso de Adib Jatene, que propôs a criação da CPMF, além de outros que militaram pela inclusão dos recursos oriundos do pré-sal na saúde, ou pela regulamentação da emenda 29 que estabelece a vinculação de recursos das três esferas de governo para um processo de financiamento mais estável do SUS.

O atual ministro não pertence a essa família honrosa de ministros, aliás de muitas e variadas origens partidárias.

Apesar de ser uma das mais efetivas ferramentas de construção de alguma equidade no acesso à saúde, o SUS sempre foi subfinanciado e secundarizado.

A universalidade do acesso à Atenção Básica, através do Programa Mais Médicos, que proporcionou a presença do profissional médicos em comunidades nunca antes assistidas, data de apenas três anos e foi uma das respostas do Estado às megamanifestações de rua de junho de 2013.

Embora tardia e reativa essas medidas convergiram para o princípio constitucional que obriga o Poder Público ao financiamento da atenção.

O que propõe o sr. Ministro para o mesmo problema é lavar as mãos do princípio constitucional (que obriga o Estado e não é opcional) e transferir para os mais pobres a fatura de um Plano de Saúde de oitava categoria.

Tais planos serão inócuos no propósito de produzir economias para o SUS, pois a nossa legislação já permite e já há famílias de baixa renda em planos de saúde (os mais baratos possíveis) para filhos ou para um ou outro familiar mais vulnerável…

Portanto, não haverá recursos novos, pois não há renda para isso.

O que haverá é a tentativa de legitimar a desassistência por iniciativas inacessíveis, mas de fato obrigatórias, pois uma vez implantadas criarão a legitimidade da retirada do Estado daquela área da atenção.

Inconstitucional, o que se constrói é a saúde como direito dos planos e dever dos mais pobres.

Tais planos de saúde, como logo descobrirá o ministro só não já existem, num país permissivo como o nosso, porque a renda do brasileiro pobre mal cobre as necessidades de sobrevivência.

Além disto, o conjunto das entidades do setor saúde se opõe a eles por vulnerabilizar e precarizar o trabalho na saúde.

De fato, esse movimento rumo à privatização da atenção primária é demonstrativo de que o governo, no que toca à saúde, fez a opção preferencial pelas empresas, contra tudo e contra todos.

Porém a que órgão da imprensa o ministro concedeu essa entrevista? Incrivelmente à BBC, empresa oriunda de um país em que um modelo universal de atenção à saúde já está vigente há muito tempo.

Aliás, na sua fundação, o nosso SUS se inspirou de alguns modelos em pleno funcionamento, dentre os quais o modelo inglês.

O ministro atribui a adesão à universalidade da atenção a uma motivação ideológica, porém o que se constata é que ideológica é a sua adesão ao modelo privatista, construído sem inspiração em nenhuma experiência prévia, pelos ditames da falta de iniciativa em ampliar o financiamento da saúde propositadamente para privatizar a faixa mais miseranda da atenção.

O Brasil tem um tribunal constitucional, o STF que vem sendo um cavaleiro de triste figura, é verdade. Porém, à cidadania cabe, como último recurso em defesa da ordem constitucional, o apelo a essa Corte.

Cabe aos partidos, à OAB, às entidades da saúde, ao Conselho Nacional de Saúde ir ao STF e questionar os planos do ministro e a sua permanência no ministério quando age na contramão da ordem constitucional.

Esse plano de saúde que transfere o dever do Estado para os mais pobres é legal?

É possível termos um ministro da saúde que milita, ostensivamente, contra o direito de todos e o dever do Estado?

*Ion de Andrade é médico epidemiologista, doutor em Ciências da Saúde pela UFRN

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