As medidas recentes de congelamento da criação de novos cursos ou de novas vagas para os cursos de medicina são na realidade uma manobra de pânico que decorre da constatação (aritmética) de que o mercado de trabalho médico vai desabar.
A lógica socialmente responsável da formação profissional seria a de formá-los em número suficiente para atender as necessidades médico-assistenciais à luz da expansão da rede assistencial do SUS com sustentabilidade fiscal e financeira.
Reconheçamos que o direcionamento dos royalties do pré-sal para a saúde (e educação) hoje revogados, assegurariam a base financeira para a expansão da rede fazendo com que a empregabilidade de médicos e de todos os profissionais de saúde estivesse garantida por décadas com a dignidade do atendimento às necessidades assistenciais crescentes, além das necessidades ainda não atendidas, uma fronteira também imensa.
A autorização de novas vagas para os cursos médicos respeitava essa lógica complexa que teria assegurado ao mesmo tempo grande quantitativo de profissionais no mercado, como ocorre nos países mais avançados, resposta às necessidades assistenciais, especialização garantida vaga por vaga nas Residências Médicas que estavam sendo organizadas (e foram congeladas) e empregabilidade certa.
Salientemos que o envelhecimento populacional multiplica por quatro as necessidades médico assistenciais, o que significa que o grande número de médicos formados por essa engrenagem se encontraria com uma demografia extremamente favorável e que não teria nenhuma dificuldade em absorver essa massa de recém-formados, pois a necessidade assistencial nessa faixa etária, que vive verdadeira explosão demográfica, será maior do que a capacidade formadora atual do Brasil em profissionais de saúde.
Ora, a maior parte dessa engrenagem estava praticamente pronta e operando, diria eu, quase em carga máxima, quando o governo ilegítimo tomou o poder e resolveu, com um punhado de emendas constitucionais aprovadas por um sem número de deputados de reputação duvidosa, engaiolar o SUS por vinte anos.
Em suma a máquina formadora, apesar desse congelamento por cinco anos, já é capaz de formar um enorme quantitativo de médicos, mas isso não será acompanhado, das políticas de empregabilidade, da rede assistencial, ou do financiamento do SUS com recursos do pré-sal.
Acrescente-se a isso o fato de que hoje, formados em escolas particulares, muitos médicos estarão chegando ao mercado de trabalho com um passivo médio girando em torno de R$500.000,00 dívida que deve começar a ser paga tão logo o profissional termine o curso.
Esse é o Estado mínimo como ele é, aquele que, incrivelmente, no imaginário de muita gente, teria mais dinheiro para a educação e a saúde.
Ora, não é preciso ser um gênio para entender o que significa o congelamento do SUS por vinte anos e do financiamento da saúde por sua fonte mais volumosa num contexto em que haverá dezenas de milhares de novos profissionais, muitos dos quais endividados chegando ao mercado.
Concretamente isso significa:
- Desemprego (quando as vagas em plantões e nos Mais Médicos estiverem preenchidas);
- Subemprego (ajudado pela gloriosa reforma trabalhista do PSDB);
- Concorrência entre médicos empregados e desempregados pelos postos de trabalho ocupados com viés de baixa das remunerações;
- Inadimplência de dívidas e incremento do endividamento dos jovens médicos, pois o sol não brilhará para todos;
- Desassistência à saúde em meio ao aumento das necessidades assistenciais devidas ao envelhecimento.
- Piora dos indicadores de saúde.
Ou seja, o cenário de anos dourados da saúde no Brasil com um SUS robusto e bem financiado está sendo propositadamente convertido num cenário dantesco e não serão cinco anos de congelamento de novos cursos e vagas que resolverão o problema. De fato o problema só poderá ser equacionado se o volume da formação estiver alinhado: (a) à demanda médico assistencial da população, (cujo atendimento é missão da profissão), (b) à expansão da rede e (c) às condições de financiamento.
Para os desinformados o governo Temer acabou de fazer uma renúncia fiscal em favor das petroleiras que explorarão o pré-sal da ordem de um trilhão de reais, o suficiente, só nesse leilão, para resolver o estrangulamento fiscal do Brasil, correspondendo numa tacada só (e não é corrupção) a 20 vezes a tudo o que se apurou na Lava Jato como desvios da Petrobrás...
Que não se diga, portanto, que esse Estado mínimo é a resposta à falência do Estado social decorrente dos governos do PT. Não. O que aí está é uma falência programada e proposital do Estado brasileiro para favorecer o grande capital, principalmente estrangeiro, com dinheiro público de impostos não cobrados. É obra do PMDB, do PSDB e do DEM.
Estamos no Titanic e já vimos o iceberg. A hora é de uma profunda autocrítica pois o Estado mínimo apregoado pelos golpistas, aquele que ia ter dinheiro para a saúde, era um embuste. É hora de perceber que o único tipo de Estado que interessa à Saúde, aos profissionais e aos usuários, é o Estado social com responsabilidade fiscal.
O quadro do desastre nacional se completará com a Reforma da Previdência que retirará dinheiro dos idosos, que gastam a sua renda em primeiro lugar com medicamentos. Vamos esperar que a indústria farmacêutica não aja norteada pela burrice e a apoie.
O que está no forno é a substituição de um projeto de país próspero, de uma democracia social robusta e do bem estar social por um projeto de país desacreditado, com médicos desempregados e subempregados, com uma rede de saúde anêmica e miserável e com idosos pedindo esmolas para comprar remédios.
De fato, se não houver um plebiscito que revogue todas essas medidas que arruinam o Brasil haverá choro e ranger de dentes.
* Médico e professor universitário. É colaborador de uma instituição social ligada à igreja católica num bairro popular de Natal. Está concentrado no estudo dos avanços sociais e da emancipação das periferias como fatores da ampliação da democracia política. É autor do livro “A Hipótese da Revolução Progressiva” que propõe um novo modelo de transição ao socialismo.
* Médico e professor universitário. É colaborador de uma instituição social ligada à igreja católica num bairro popular de Natal. Está concentrado no estudo dos avanços sociais e da emancipação das periferias como fatores da ampliação da democracia política. É autor do livro “A Hipótese da Revolução Progressiva” que propõe um novo modelo de transição ao socialismo.
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