A tática é sempre a mesma. Estrangular o serviço público para “provar” (o certo seria provocar) sua deficiência. Está acontecendo nas universidades públicas e agora chega aos hospitais universitários.
No Rio, a Comissão Nacional de Residência Médica, ligada ao MEC, acaba de “condenar” a UERJ e a UFRJ[1] e seus respectivos hospitais (Pedro Ernesto e do Fundão) por não possuírem condições de manutenção de suas residências médicas. Uma deficiência provocada pelo estrangulamento das universidades públicas.
Residência Médica é a parte prática avançada da formação de um médico, mesmo depois de possuir o diploma. Após os seis anos mínimos para a diplomação, são necessários outros dois ou três para o profissional exercer sua prática com segurança.
A medida acontecida agora no Rio tem sérias implicações. Ao dificultar a necessária pós-graduação pode aumentar o contingente de médicos sem a perícia necessária para o exercício da profissão. Ao drenar – propositadamente – a residência médica para os hospitais particulares aumentará o desconhecimento de doenças das populações pobres com sério impacto no SUS. Restarão os plantões sem supervisão do primeiro emprego, nos hospitais públicos, como aperfeiçoamento da profissão. As residências, que ainda funcionam nesses hospitais, já são uma mistura de exploração de mão de obra não qualificada pelos profissionais que deveriam exercer a preceptoria, mas que em muitos casos deixam o formando no seu lugar para atender no privado no horário do emprego público.
Claro que esse é mais um passo para o desmantelamento do Sistema Único de Saúde. Mesmo antes do golpe já convivíamos com práticas deformadoras. Como a terceirização das clínicas de família e saúde mental, que passaram à gestão das Organizações Sociais – com fins muito lucrativos, é bom que se diga –, que não têm na formação do profissional o seu ponto forte, muito pelo contrário. Claro que mesmo assim temos bons médicos, porque os que se dedicam a trabalhar nas comunidades carentes, quase sempre, possuem um diferencial na formação ideológica – o que não se pode negar – e que faz uma percepção holística fora da comum especialização e elitização da medicina.
Nesse cenário provocado, formaremos médicos mais elitistas do que o que já temos, ultra-especialistas, dirigidos ao mercado que tem a elite e a alta classe média como consumidores, muito mais distantes do que já são das classes populares e das doenças geradas pela pobreza e a miséria.
O neoliberalismo e seu darwinismo social tendem a deixar a míngua populações de sobrantes nas cidades. A medicina vem sendo manipulada para o abandono desses sobrantes que não têm lugar na sociedade atual. E já começam a aparecer no assim dito primeiro mundo. As cenas de sem tetos em Los Angeles é comparável às nossas cracolândias.
Antes, as guerras matavam os sobrantes em nome da defesa da pátria. Hoje, o darwinismo social os abandona condenados a uma morte lenta em nome da meritocracia.
A formação do médico tende a acompanhar esse movimento perverso.
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[1] UERJ e UFRJ – Universidade Estadual e Federal do Rio de Janeiro, respectivamente.
* Edmar Oliveira é Psiquiatra, blogueiro, aprendiz de escritor, leitor contumaz, comunista utópico, socialista desejante
Desenho: Lor. (Lor é médico e cartunista)
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