Páginas

domingo, 15 de abril de 2018

Artigo Lenir Santos*: SUS: O QUE TEMER?



Nesses tempos de crise política, social, estrutural, econômica qualquer informação, artigo, evento que diga respeito ao SUS e, por consequência, ao direito à saúde que possa indicar retrocesso, causa de imediato reação adversa.

Foi o caso, nessa semana, da realização de um evento em Brasília que trazia como proposta A ousadia de propor um novo sistema de saúde. Sua programação mencionava a participação de parlamentares e do Ministério da Saúde. A divulgação do evento pelas redes sociais causou mal-estar em muitas pessoas que deram como sendo uma proposta de destruição do SUS, com riscos.

Penso que é necessário ser menos reativos e deixar a insegurança de lado quando o fato de um grupo de pessoas ou de uma entidade propor um evento que, parodiando a NOB 1, de 1993, que preconizava a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei, sobre a ousadia de propor um novo sistema de saúde. Devemos ser cautelosos, atentos, mas não temerosos de se tratar do fim do SUS.

Propor é um direito das pessoas; mas propostas para incomodar os que defendem o SUS precisam ter um mínimo de consistência, trazer elementos concretos de alteração do ordenamento jurídico brasileiro, que tem o direito à saúde como direito fundamental e, portanto, cláusula pétrea constitucional (art. 60, § 4º Constituição Federal), somente passível de mudança mediante nova constituinte.

Essa insegurança não pode pairar todo o tempo sobre o SUS e afetar aqueles que o defendem por demonstrar insegurança quanto à nossa Carta Constitucional que dispõe sobre ele seu art. 198. Esse sentimento pode enfraquece-lo, permitindo que qualquer cidadão, grupo empresarial, entidades possam propor mudanças nas estruturas do sistema de saúde público e executá-la de fato. Isso não é fato constitucional. E não sendo fato constitucional não pode afetar o sistema público de saúde.

Para alterar o direito fundamental à saúde, somente uma nova constituinte, porque nem mesmo emenda constitucional pode fazê-lo. Mudanças nas estruturas e funcionamento do SUS, somente podem se dar por alteração da lei orgânica da saúde, desde que não promova mudança em seu modelo assistencial e nos princípios do SUS dispostos nos arts. 196 e 198, este último alterável somente por emenda constitucional (art. 60 Constituição Federal).

Nesse sentido, penso que todos aqueles que defendem o SUS não podem se sentir inseguros quanto ao seu destino em seu sentido estrutural e principiológico; deve causar preocupação aspectos que possam desidratar no cotidiano, o acesso universal e igualitário, como o subfinanciamento, má gestão, utilização política de suas estruturas e outros fatos como falta de medicamento etc. Isso põe em risco a credibilidade do SUS, a saúde das pessoas e deve ser combatido diariamente, como sempre foi feito pelos seus defensores, os conselhos de saúde, o conjunto de entidades da saúde, mas não significa o seu fim institucional.

Temos que acreditar em nossa Carta Fundamental e manter eterna vigilância quanto à definição e execução das políticas nacionais de saúde que devem ser qualitativas e em quantidade suficiente e demais aspectos de seu funcionamento, como a essencial suficiência de financiamento.

O SUS é um sistema público que deve concretizar o direito à saúde do cidadão brasileiro, mediante ações e serviços de proteção, promoção e recuperação da saúde e regular, fiscalizar e controlar os serviços públicos e os serviços privados de saúde.

Não temos que temer propostas, discussões sobre saúde no país. Temos que temer o seu funcionamento inadequado por diversos aspectos.

*Lenir Santos, advogada em gestão pública e direito sanitário; doutora em saúde pública pela Unicamp; e coordenadora do curso de especialização em Direito Sanitário do IDISA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário