Imigração: A política de ‘tolerância zero’ nas fronteiras dos EUA foi encerrada, mas danos podem ser permanentes
Por Raquel Torres, do Outra Saúde
Crianças obrigadas a tomar fortes remédios psicotrópicos, sem autorização dos pais e sem nenhum tipo de consentimento: tudo indica que a política de tolerância zero contra imigrantes ilegais nos Estados Unidos teve consequências muito mais graves do que ‘apenas’ a separação de famílias e a manutenção de crianças em jaulas.
Informações específicas sobre a administração desses medicamentos vieram do Texas Tribune, que fez uma investigação junto ao Center for Investigative Reporting com base em informações de um processo da corte federal dos EUA. Há relatos desconcertantes. A matéria (leia aqui) diz que, nos abrigos, algumas crianças eram informadas de que os remédios eram apenas vitaminas, e lhes diziam que elas não seriam soltas nem veriam seus pais se não aceitassem as pílulas e injeções.
A maior parte das denúncias se refere a Shiloh, uma das empresas que recebem recursos do governo federal para abrigar crianças desacompanhadas. E, segundo o texto, a instituição já tinha má reputação. Há quatro anos, uma deputada pediu que ela fosse fechada por causa de evidências de maus tratos (inclusive prescrição inadequada de remédios e uso de violência física), mas nada foi feito. A empresa não está só: dos US$ 3,4 bilhões gastos pelo governo nisso, quase metade foi para instituições que já têm acusações semelhantes.
Segundo o texto, a política do presidente Donald Trump é “criar um exército zumbi de crianças injetadas com medicamentos que as deixam tontas, apáticas, obesas e até incapacitadas”.
O Huffington Post também abordou o assunto e cita um os memorandos anexados ao processo: “quando os jovens se recusam a tomar esta medicação, o ORR [Departamento de Realojamento de Refugiados, na sigla em inglês] obriga-os. O ORR não pede consentimento parental antes de medicar uma criança, nem solicita autorização legal para consentir no lugar dos pais. Em vez disso, a equipe do ORR ou do centro de acolhimento assina formulários de ‘consentimento’, atribuindo a si mesma autoridade para administrar medicamentos psicotrópicos a crianças”.
Além da medicação
Trump já anunciou que famílias de imigrantes ilegais não vão mais ser separadas, mas o fim dessa política não pôs um ponto final no assunto inclusive porque, ainda que as famílias voltem a se reunir, os efeitos da separação violenta podem ser muito duradouros — até mesmo permanentes.
Pouco antes do recuo do presidente, trabalhadores da saúde estavam alertando para os danos permanentes que a prática estadunidense poderia provocar, e a BBC US & Canada falou especificamente desses impactos nesta reportagem. O momento da separação é obviamente traumático e, no curto prazo, pais e filhos ficam com altos níveis de hormônios do estresse como cortisol e adrenalina. A pressão e a ansiedade aumentam. “Quando esse sistema de estresse permanece ativdo por um período de tempo significativo, ele pode ter um efeito de desgaste biológico. Quanto mais jovem você é, mais séria é a ameaça”, diz à reportagem Jack Shonkoff, da Universidade de Harvard.
No longo prazo, os efeitos dependem de quanto tempo dura a separação e da idade das crianças, mas a literatura indica que esse tipo de isolamento pode levar a problemas como doenças cardíacas e diabetes.
Várias associações médicas se manifestaram. A Associação Americana de Psicologia enviou à presidência uma carta citando uma ‘crise de saúde mental’ a que várias famílias estavam sendo submetidas pela política. A de Saúde Pública também fez nota dizendo que a separação era desumana e teria um impacto terrível na saúde das crianças, tanto agora quanto no futuro, podendo levar a alcoolismo, depressão, obesidade, suicídio e uso de drogas. Já a de Pediatria mandou várias cartas ao Departamento de Segurança Interna pedindo mudanças. À CNN, a presidente dessa associação, Colleen Kraft, afirmou que o tipo de estresse a que essas crianças são submetidas pode levar a atrasos no desenvolvimento motor e na fala e, mais tarde, a doenças cardíacas e câncer. “Quanto mais jovem a criança é, maior a probabilidade de causar danos no curto e longo prazo”, afirma.
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