Transporte coletivo: não custa lembrar que…
A denúncia que o Ministério Público fez contra 14 pessoas que agiram para fraudar a licitação do transporte coletivo de Curitiba chegou com quase oito anos de atraso. Não custa lembrar que:
- O início do processo de licitação se deu em 2009 quando o prefeito de Curitiba era o ex-governador Beto Richa;
- Ao se desincompatibilizar da prefeitura para concorrer ao governo estadual, deixou o cargo para seu vice, o atual deputado federal Luciano Ducci;
- Ao longo deste período, os termos do edital internacional de licitação foi sendo elaborado por muitas mãos, tanto do poder público concedente (Urbs) como de empresários interessados em se manter no setor que já exploravam de modo precário (permissionários) há meio século, além de escritórios de engenharia e advogacia que serviam de intermediários no esquema;
- Ainda em 2010, durante a elaboração dos termos do edital, o Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge) e outras movimentos que integravam um forum, entraram na Justiça com ação popular em razão das evidências que já então apareciam de que a concorrência (1) favoreceria os mesmos grupos empresariais, (2) encareceria a tarifa e (3) não introduzia inovações ao sistema. A Justiça derrubou a ação popular e ainda condenou seus autores a pagar indenizações;
- Em 2013, por iniciativa do vereador Jorge Bernardi, a Câmara Municipal de Curitiba instaurou CPI e concluiu pela existência das irregularidades que vinham sendo denunciadas desde o início do processo.
- O relatório da CPI foi entregue ao Ministério Público que, em fevereiro de 2017 (isto é, quatro anos depois!), arquivou o inquérito pro entender que “não ficou configurado nenhum ato ímprobo que justifique a continuação do presente procedimento investigatório”.
- A partir de 2011, o Tribunal de Contas – principalmente por meio de estudos elaborados pelo advogado e assessor técnico Claudio Henrique de Castro – passou a questionar a legalidade de vários itens do edital e da planilha de custos e concluiu que, se corrigidas as distorções, o preço da passagem poderia ser barateado;
- Eleito prefeito de Curitiba e empossado no início de 2013, Gustavo Fruet moveu várias ações judiciais contra as empresas na tentativa de expurgar da planilha itens considerados ilegais e danosos para a população;
- As ações ainda tramitavam na Justiça quando Rafael Greca, eleito prefeito, já nos primeiros dias de sua gestão em 2017 aplicou o maior índice de reajuste e elevou a tarifa de Curitiba de R$ 3,70 para R$ 4,25, a mais cara do país.
- Dias depois do aumento exorbitante, exatamente em 9 de fevereiro de 2017, Greca era fotografado no Country Club em animada conversa com Donato Gulin, o patriarca do grupo empresarial-familiar que controla 70% das linhas do transporte coletivo de Curitiba (foto);
- Meses depois, Greca fez um acordo com as empresas pelo qual tanto a prefeitura quanto as concessionárias desistiam das ações judiciais e recursos que mantinham entre si. O acordo pôs no arquivo mais de 40 processos. A justificativa do prefeito era a de que, eliminadas as pendengas, Curitiba ganharia mais ônibus novos e a reintegração metropolitana seria restabelecida;
- No início de 2018, Greca anunciou o “congelamento” da tarifa nos mesmos R$ 4,25, sem, no entanto, corrigir as distorções denunciadas quase uma década antes.
- Incapaz de administrar o sistema com os minguados recursos destinados ao gerenciamento do transporte pela Urbs, o que exigiria novo reajuste (em ano eleitoral!), o prefeito apelou para a volta do subsídio estadual, que havia sido extinto pelo ex-governador Beto Richa durante a gestão de Gustavo Fruet. A governadora Cida Borguetti atendeu ao apelo e liberou R$ 71 milhões a fundo perdido para garantir o congelamento.
- Na última sexta-feira (13), enfim, o mesmo Ministério Público que no ano passado dizia não ter encontrado “atos ímprobos” na licitação arquivando todos os questionamentos da CPI da Câmara, chega à conclusão que a licitação de 2010 foi de fato fraudada – e apontou 14 pessoas como integrantes da “organização criminosa” que conduziu o processo – dentre elas o presidente e diretores da Urbs, empresários e escritórios de advocacia.
Agora só falta um detalhe para colocar a cereja no bolo: os crimes cometidos, que levariam à prisão de seus autores, já caminham para a prescrição!
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