Bolsonaro e o discurso sobre o ensino superior: como mentir se revela uma compulsão do presidente, com o único propósito, na minha opinião, de municiar sua horda virtual nas redes sociais com os mesmos argumentos falsos.
O desmonte abaixo foi escrito de maneira clara e limpa por Allan Kenji, da Université Paris-13 e do Programa de Pós-graduação em Educação da UFSC:
"Na última segunda-feira (8/4), Bolsonaro demitiu o Ministro da Educação, Ricardo Vélez, e o substituiu pelo homem das finanças, Abraham Weintraub. Bolsonaro concedeu entrevista exclusiva para o jornalista Augusto Nunes, do programa "Pingo nos is" (Jovem Pan), na qual mostrou mais uma vez o desconhecimento absoluto sobre a educação brasileira. A verborragia de Bolsonaro impressiona pelo excesso de amadorismo do governo que conseguiu o ineditismo de não conseguir acertar um único dado correto em mais de 100 dias de governo, mas a linha é clara: aprofundar o projeto neoliberal de destruição das universidades públicas.
Segundo Bolsonaro, o Brasil teria cerca de 68 universidades públicas que consumiriam 60 bilhões. Por sua vez, esse montante seria a metade do orçamento destinado à educação. Esse dado é fornecido como evidência de que existiria uma inversão de prioridades no Brasil e o ensino superior seria privilegiado em relação à educação básica. Mas, além disso, as universidades públicas não fariam pesquisa nenhuma, sendo que a pesquisa no Brasil seria realizada pelas universidades privadas.
Os dados sobre o número de instituições superiores no Brasil é facilmente acessível por uma plataforma mantida pelo Ministério da Educação (MEC) e pode ser acessada livremente por qualquer pessoa (inclusive por assessores da Presidência da República, especialmente aqueles responsáveis por soprar alguns dados ao Presidente antes de uma entrevista exclusiva, com hora e data marcadas). Segundo os dados do Ministério da Educação (MEC), no Brasil existem 201 universidades em funcionamento no Brasil, das quais 109 são instituições públicas: 63 federais, 41 estaduais e 5 municipais. Quanto às privadas, 71 delas são instituições sem fins lucrativos e 21 instituições com fins lucrativos. Há uma razão um tanto óbvia para isso: o capital não tem interesse na universidade como instituição social, seu único interesse na forma universitária é o recurso à autonomia para abrir cursos e vagas, como determina a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional de 1996. Mas o capital não quer arcar com os custos da instituição universitária, que vincula o ensino à pesquisa e à extensão, obrigatoriamente (LDBEN). É por isso que as pressões privatistas atacam a universidade, porque o seu interesse econômico resulta na transformação do ensino superior em uma máquina de fazer matrículas.
De acordo com os dados públicos disponibilizados pelo Senado Federal, o orçamento pago às 63 instituições de ensino superior federais correspondeu a 23,7 bilhões de reais, em 2018. Isso representa um gasto público anual médio de apenas 376 milhões por universidade federal. Em comparação, de 2016 até 2018, foram empenhados R$ 36 bilhões de reais em emendas parlamentares. Esse período corresponde desde a fase de chantagens sobre o impedimento da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), orquestrada pelo ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB), até a às votações para impedir a abertura de processos criminais contra, por exemplo, Michel Temer (PMDB) e Aécio Neves (PSDB). Isso significa que o golpe de 2016 custou ao Brasil o empenho de 1,5 vezes o orçamento realmente pago às universidades federais.
Bolsonaro é um mito, um mitômano (tendência impulsiva para a mentira). A CAPES solicitou à Clarivate Analytics um relatório sobre a participação das pesquisas brasileiras no cenário internacional. A pesquisa tem claro viés produtivista e privatista, e por isso mesmo serve como prova cabal: a pesquisa não conseguiu descobrir nenhuma publicação relevante publicada nas instituições de ensino superior privadas (sejam elas faculdades ou universidades). Toda a produção científica considerada relevante foi produzida pelas universidades públicas brasileiras. Entre as maiores instituições de pesquisa estão, pela ordem: Universidade de São Paulo, Universidade Estadual Paulista, Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal de Minas Gerais.
São as universidades públicas aquelas que produzem pesquisas consideradas relevantes e não as privadas."
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