O SILÊNCIO DOS VIVOS
do Outra Saúde (por e-mail)
No sábado, chegamos às cem mil mortes e três milhões de infecções pelo novo coronavírus conhecidas no Brasil. A tragédia sem dimensões na história do país não mereceu panelaços. A imprensa tem se esforçado para dimensionar seu significado em histórias, comparações, simulações e gráficos diversos. Mas alguma coisa parece ter estancado a indignação que era demonstrada numa base diária meses atrás. Concordamos com o advogado Thiago Amparo quando ele diagnostica que o luto coletivo existe, só que está sendo esmagado pela necropolítica. “Bolsonaro está vencendo pelo cansaço”, constata, por sua vez, o jornalista Bernardo Mello Franco.
No dia do fatídico marco, só atingido até agora pelos Estados Unidos, Jair Bolsonaro celebrou a vitória do Palmeiras e replicou a propaganda da sua Secretaria de Comunicação que distorce informações para comemorar números catastróficos. Como os milhões de “recuperados” – conceito extremamente duvidoso em se tratando de uma síndrome que tem mostrado poder para desabilitar permanentemente suas vítimas, com pulmões lesionados, rins danificados. Ou o número de mortes por milhão de habitantes, métrica que não serve. “Se cai um avião com 210 pessoas ninguém diz que foi uma morte por milhão de habitantes”, explica Ricardo Parolin, em entrevista ao UOL. “Com cerca de 3% da população mundial, concentramos 14% dos óbitos registrados por covid-19”, situam as pesquisadoras Jurema Werneck, Gulnar Azevedo e Zeliete Zambon.
Hoje, a quantidade de vidas perdidas já aumentou mais um ‘muito’: mil cadáveres se acumularam de lá para cá. “E seguimos contando os corpos que não podemos velar”, escreve Antonio Prata, resgatando a conclusão do atual presidente sobre a ditadura – ‘o erro foi ter torturado e não matado’, disse Bolsonaro no rádio em 2016 – para inferir: “Era óbvio, mas segue sendo surpreendente que um presidente eleito hasteando a bandeira da morte nos entregue, vejam só, a morte.”
Diante dos cem mil mortes, Supremo e Congresso decretaram luto oficial. Não há punição à vista para quem optou pelo “caminho da insensatez”. “A responsabilização por esta tragédia humana não pode deixar de ser feita”, defendem as entidades da ciência, da advocacia, da imprensa, etc. O difícil é achar quem tenha poder para tal e esteja disposto a assumir a tarefa. Aparentemente, estão todos ‘tocando a vida’.
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