Por Gabriela Leite, no Outra Saúde (via e-mail)
Usuários relatam dificuldades em utilizar os serviços do convênio de saúde, desde que a operadora vendeu 337 mil de seus planos individuais a outras empresas. Enquanto isso, Congresso discute a desregulamentação do setor…
Já era de se esperar, mas vieram rápido demais as reclamações de usuários da Amil sobre a degradação acelerada dos serviços. Eles relatam dificuldades em agendar exames, descredenciamento de hospitais sem aviso prévio e falta de orientação da empresa. As reclamações à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) multiplicam-se. Tudo começou em dezembro do ano passado, quando a Amil simplesmente “vendeu” 337 mil clientes de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná às empresas APS (Assistência Personalizada à Saúde) e Fiord Capital, em dezembro de 2021.
A operação é curiosa. A gigante norte-americana do ramo da Saúde UnitedHealth, dona da Amil, repassou às minúsculas APS e Fiord Capital, por R$ 3 bilhões, os planos de saúde dos usuários que supostamente geravam prejuízo à empresa. A estranheza amplia-se à medida em que se conhecem os detalhes. A Fiord Capital foi aberta um mês antes da operação, é especializada em “reestruturação financeira” e funciona em uma casa modesta num bairro da zona leste de São Paulo. A APS, diferente da Fiord, é da área da Saúde e também pertence à UnitedHealth. Até receber os usuários da Amil, tinha apenas pouco mais de 11 mil contas. Ao fazer a transação – que ainda precisa ser autorizada pela agência reguladora –, a Amil não poderia, segundo as normas, fazer alteração na rede credenciada nem mudar os valores dos planos. Não é o que vem acontecendo…
Também os próximos passos são obscuros. De início, acreditava-se que a operação fazia parte de um plano da UnitedHealth para focar nos planos empresariais, que dão mais lucros às operadoras de convênios de Saúde. Mas nas últimas semanas de janeiro, foi revelada a intenção da corporação norte-americana de sair do Brasil. Parece estar lucrando mais com a venda de planos para idosos de baixa renda nos EUA, segundo reportagem da Exame.
Nesse caso, a Amil-UnitedHealth abririam mão de seus 5,7 milhões de usuários brasileiros, 15 hospitais e 53 centros ambulatoriais. A Rede D’Or, maior rede de hospitais privados do país, poderia ser a compradora. Está de olho na infraestrutura – e caso fechasse negócio, venderia novamente as carteiras de clientes para outras operadoras. Nas mãos de grandes investidores do mercado financeiro, a frio, é quase possível esquecer que o que está se negociando é a saúde de milhões. A ANS garantirá seus direitos?
As relações obscenas entre planos de saúde e o poder público são tema do primeiro artigo do novo blog de Mario Scheffer, associado da Abrasco e professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, no Estadão. Enquanto o Congresso aprova um orçamento extremamente insuficiente para a Saúde em 2022, os parlamentares discutem liberar as operadoras privadas das poucas normas que as obrigam a respeitar direitos dos usuários. A proposta é permitir a venda de planos de saúde de menor cobertura e rasgar o estatuto do idoso, permitindo reajuste de mensalidades após 60 anos de idade. Seria o sonho para megacorporações como a UnitedHealth. “Estão em jogo o futuro do sistema de saúde no Brasil, nossa saúde e nossas vidas”, alerta um estudo organizado pelo Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde da Faculdade de Medicina da USP e pelo Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicado em dezembro em Outra Saúde. “Mesmo após a maior crise sanitária da história, tudo indica que o parlamento brasileiro terá, em 2023, uma bancada da saúde ainda mais servil e paroquial que a atual”, aponta Scheffer.
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