Coluna Econômica - 16/12/2008
Nos últimos dias, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, tem sido alvo de uma impressionante onda de solidariedade: governadores, entidades empresariais, canais de televisão, uma louvação ampla e irrestrita.
Por diversas vezes assumiu atitudes corajosas contra atos arbitrários de juízes, procuradores e policiais. Por outro lado, expôs a imagem do STF com uma verborragia incompatível com o cargo.
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O primeiro passo para entender esse fenômeno é situar corretamente a questão da repressão no país, dividindo-a em dois pontos.
O primeiro, são os abusos contra direitos individuais, a obsessão pela penalização, a perseguição a pessoas. Após a Constituição, o fortalecimento do Ministério Público deu margem, em uma primeira fase, a muitos abusos, acusações sem fundamento, armações.
O segundo, é o combate ao crime organizado, que nada tem a ver com o primeiro – embora eventualmente possa dar margem a abusos individuais. Esse combate exige articulação entre as diversas forças de repressão, trabalho de inteligência policial, tempo para investigar e colher provas. É o caso típico da Operação Satiagraha.
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O que colocou Gilmar Mendes no centro da polêmica foi o fato de utilizar a bandeira relevante dos direitos individuais para comprometer uma operação que visava desmantelar um trabalho de quadrilha.
Sua atuação foi vergonhosamente parcial, a ponta de não se manifestar contra casos ostensivos de assassinatos de reputação (inclusive contra juízes), cometidos pelo esquema de Daniel Dantas, de ter emitido pré-julgamento em um episódio suspeito (o factóide do grampo telefônico, que a cada dia que passa mais parece uma armação), de ter investido contra juízes de primeira instância e, mesmo com todo apoio midiático, ter exposto o Supremo ao maior risco de imagem desde os tempos da ditadura.
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Então, qual a razão para tantos apoios?
Aí se entra na grande balbúrdia financista dos anos 90 – que narro em detalhes no meu livro “Os Cabeças de Planilha”. Nesse período, o Banco Central, Receita e CVM (Comissão de Valores Mobiliários) fecharam os olhos a um conjunto amplo de fraudes.
Permitiram o florescimento de um terreno pantanoso onde havia de tudo, do crime menor da sonegação fiscal das empresas (desviando recursos de atividades não-criminosas para não pagar tributos), até o dinheiro graúdo do crime organizado, narcotráfico, corrupção política, bingos, comércio de jogadores etc.
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Trailers desse jogo apareceram na CPI dos Precatórios, na CPI do Banestado e, mais recentemente, nos inquéritos abertos pela Polícia Federal. Agora, chegou a hora do acerto de contas com a Justiça. Há justificado receio de empresas e investidores de atividades não-criminosas, de que suas contravenções fiscais sejam confundidas com o crime organizado.
Gilmar Mendes navega nessas águas. Ganhou procuração desse pessoal para se tornar a última trincheira contra o seu enquadramento. E poderia até cumprir adequadamente sua missão, não fosse a circunstância de ser visto, por parcela expressiva da opinião pública, como um defensor de Daniel Dantas contra os rigores da lei.
Com isso, conseguiu comprometer duas bandeiras: a defesa dos direitos individuais e a defesa da imagem do Supremo.
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