CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
Após quatro anos de discussões, o Ministério da Saúde concluiu a primeira política de genética clínica do SUS, que promete incluir exames e aconselhamento genético na rede de saúde a partir de 2009. O texto da portaria será publicado hoje no "Diário Oficial da União", e sua regulamentação está prevista para fevereiro.
O governo diz que garantirá mais recursos para o diagnóstico e tratamento de defeitos congênitos, além de aconselhamento da equipe médica e dos pais para prevenção de novos casos. A idéia é que haja um centro de aconselhamento genético para cada grupo de 2 milhões de habitantes.
Mas, na prática, os R$ 3 milhões inicialmente previstos para a política estão muito aquém das necessidades, segundo a Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM). O governo diz que o valor poderá ser revisto. A estimativa da OMS (Organização Mundial da Saúde) é que 5% das gestações resultam no nascimento de uma criança com anomalias.
Nos últimos 25 anos, as doenças genéticas --como a anencefalia-- passaram da quinta para a segunda causa de mortalidade infantil no país. A primeira são a prematuridade e o baixo peso ao nascer.
Apesar da alta incidência, o atendimento genético no SUS praticamente inexiste, segundo Salmo Raskin, presidente da SBGM. "Já atendi uma mulher com quatro filhos com a síndrome do X frágil [uma das causas mais comuns de retardo mental] e que não sabia nada sobre a doença. Se houvesse um serviço de aconselhamento, após o nascimento do primeiro filho com a doença, o casal seria avisado sobre as chances de ter outros filhos com a anomalia."
O desconhecimento também está presente entre os médicos da rede básica de saúde. "Soube de casos em que mulheres tiveram o primeiro filho com Down e foram desaconselhadas pelos médicos a terem mais filhos. A síndrome é um acidente genético, não tem a ver com hereditariedade", afirma Raskim.
O geneticista diz que, exceto alguns serviços universitários concentrados sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, a oferta de genética clínica praticamente inexiste na rede pública. "A demanda é muito grande, mas está reprimida. Só vamos ter noção do tamanho dela quando os serviços forem abertos."
Organização
O Ministério da Saúde argumenta que a demora na implantação da política ocorreu em razão de impasses na pactuação das responsabilidades com Estados e municípios e porque a intenção da pasta é garantir a atenção integral e não apenas o diagnóstico das anomalias genéticas.
Segundo Joselito Pedrosa, coordenador-geral de alta complexidade do Ministério da Saúde, o eixo da política será o aconselhamento genético, com atendimento das anomalias congênitas, das deficiências mentais e dos erros inatos do metabolismo.
Ele diz que hoje há 1.032 serviços do SUS que oferecem algum tipo de atendimento ambulatorial e/ou laboratorial em genética clínica. "Mas há uma dispersão muito grande. Tem lugar que só faz o exame laboratorial, tem lugar que só faz a consulta. A política vem para organizar a rede de serviços."
Pedrosa explica que, até o final de 2009, 30% dos municípios brasileiros contarão com os centros genéticos. O restante será atendido até 2011. "Não dá para achar que 100% da população será atendida de imediato. Tem que organizar a rede, qualificar os profissionais de saúde e formar outros."
A falta de médicos especializados em genética clínica é o principal gargalo do sistema, segundo Pedrosa. Salmo Raskim, da SBGM, confirma que o número de especialistas não chega a 200, sendo que 85% deles estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste.
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