A Guerra do Vietnã terminou há mais de três décadas, mas ainda assombra o imaginário dos Estados Unidos. É uma ferida que permanece aberta. Até hoje o povo americano faz uma espécie de expiação coletiva dos pecados daquele confronto bélico. É só ver a quantidade de filmes que tratam do assunto. Foi, afinal, uma luta inútil que matou uma geração de jovens e mutilou outros tantos. De 1965, quando o governo determinou o envio de tropas, até a retirada do grosso delas, em 1973, foram cerca de 58 mil soldados norte-americanos mortos – pouco mais de 17 por dia de guerra, em média.
Aqui no Brasil nós vivemos diariamente nossos “Vietnãs”. O trânsito violento, com suas milhares de vítimas, já foi comparado a uma guerra. Ontem a Secretaria Especial de Direitos Humanos, órgão vinculado à Presidência da República, divulgou um estudo sobre os assassinatos de adolescentes no Brasil que torna inevitável mais uma vez recorrer à mesma analogia. Segundo projeção da pesquisa, 33,4 mil jovens brasileiros vão morrer no período compreendido entre 2006 e 2012, apenas nas 267 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes. Isso significa 13 adolescentes com idades entre 12 e 18 anos por dia, em média. É uma quantidade de vítimas que se aproxima do Vietnã real.
Mas, ainda que nossos jovens estejam morrendo em uma guerra urbana, patrocinada principalmente pelo narcotráfico, a sociedade brasileira parece não se mobilizar contra ela de modo articulado como fizeram os pacifistas norte-americanos nos anos 60 e 70, pedindo o fim da matança no Vietnã.
Não podemos negar que exista uma comoção pública contra a violência nas ruas brasileiras, mas ela não se materiliza em pressão suficiente sobre os governos. Ao contrário, dilui-se quando as mortes parecem distantes do cotidiano. Quem se preocupa quando um jovem de periferia é morto e a polícia diz que foi um acerto de contas do narcotráfico? Não há inclusive quem ache que isso é bom, sob o argumento de que seria mais um traficante ou bandido morto? Ou, então, quem sai às ruas pedindo escolas de mais qualidade, capazes de oferecer uma perspectiva de futuro para os adolescentes pobres?
Tampouco os governantes parecem se preocupar de fato com a criminalidade, ainda que essa devesse ser a principal função deles – afinal, os Estados modernos foram concebidos justamente sob a justificativa de que é necessário uma instituição maior que garanta a paz social. Nos anos 1600, o filósofo inglês Thomas Hobbes já afirmava que, sem um Estado que limite o individualismo de cada pessoa, haveria uma guerra de todos contra todos. Assim, pela teoria de Hobbes, os homens assinaram uma espécie de contrato social: aceitaram limitar sua liberdade individual, cedendo-a para o aparelho estatal, em troca da garantia da segurança em sociedade. Definitivamente, o Estado não está cumprindo sua parte no acordo. Vivemos uma guerra social.
Fernando Martins é jornalista.
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