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De acordo com especialistas, porém, quem conhece a realidade americana sabe que o Brasil, mesmo com todos os pontos negativos do Sistema Único de Saúde (SUS), está anos-luz à frente dos EUA. “O SUS é uma proposta extremamente ousada, avançada e democrática. Temos um financiamento solidário, em que o imposto de todos oferece cobertura para todos”, diz o professor de Saúde Coletiva da Universidade Positivo, Moacir Ramos Pires, um autointitulado “entusiasta do SUS”. “Avançamos muito nos últimos anos e somos referência para os países da América Latina e também para os desenvolvidos”, afirma o professor do curso de Medicina da Universidade de São Paulo e pós-doutor pela Universidade de Harvard Milton de Arruda Martins.
A avaliação muda completamente, porém, quando a comparação é feita entre o SUS e o sistema público de saúde do Canadá e de alguns países europeus, onde os usuários não precisam, por exemplo, esperar meses por uma consulta com especialistas. Mais dinheiro é o que, resumidamente, pode fazer com que o SUS ofereça um atendimento mais próximo do ofertado por sistemas considerados modelos mundiais.A América de mal a pior
Os indicadores de saúde nas terras do Tio Sam têm sido considerados péssimos. E uma explicação pode estar na falta de assistência à população carente. Um documentário do cineasta Michael Moore, chamado Sicko, revela que por lá tem hospital abandonando doentes nas calçadas e que quem não tem condição de pagar por um seguro de saúde corre o risco de morrer, ou então ficar sem a ponta dos dedos – Rick, personagem de uma das histórias mostradas no filme, perde as pontas de dois dedos numa serra e acaba reconstruindo apenas um deles por US$ 12 mil, já que não tinha outros US$ 60 mil para pagar pela cirurgia do segundo dedo.
É que nos EUA há dois sistemas públicos. Um para os mais pobres, o Medicaid, e um para os idosos, o Medicare. O restante da população tem de contratar seguros de saúde se quiser cobertura, o que normalmente custa caro. O problema é que dos 300 milhões de norte-americanos, cerca de 50 milhões, como Rick, não são tão pobres a ponto de serem incluídos nos programas do governo e ao mesmo tempo não têm condições de contratar um seguro de saúde – é justamente este grupo desassistido que Obama tenta incluir nos sistemas públicos por meio de sua reforma.
Brasil dando exemplo
No Brasil, o SUS é usado de forma exclusiva por 70% da população, ou seja, cerca de 134 milhões de pessoas. Mas está aí para o que der e vier para os 190 milhões de brasileiros. E mesmo quem paga plano de saúde, por vezes, pode recorrer a ele, ao contrário do que acontece nos EUA. “Na medicina suplementar (plano de saúde), você consegue ir até um certo ponto e, às vezes, só na sua cidade”, lembra a diretora-geral do Hospital de Clínicas de Curitiba, Heda Amarante.
Não é raro que tratamentos de câncer ou transplantes de um usuário sejam cobertos pelo SUS, depois que o plano de saúde vira as costas. Isso sem falar nos medicamentos de alto custo, como no caso do tratamento da aids. “O SUS é o melhor plano de saúde que existe. Ele não tem carência, não exige pagamentos adicionais, não tem auditoria médica e não nega procedimentos de alta complexidade e próteses”, opina o diretor-geral do Hospital Evangélico, Constantino Miguel Neto.
Universal com qualidade
Mas, se por um lado o Brasil está à frente dos norte-americanos, por outro está dez maratonas atrás de países como Inglaterra, França, Portugal ou Canadá. Esses países também contam com sistemas universais, tal como o nosso SUS. A diferença é que lá o processo costuma funcionar melhor. Na França, cerca de 96% da população não troca o sistema público pelo particular. A Inglaterra, com seu sistema de “médicos de quadra”, é considerada um modelo. No Canadá, o sistema universal de atendimento à saúde faz inveja aos vizinhos dos EUA.
Esses sistemas, claro, não são como um plano de saúde cinco estrelas. Por lá, também é comum a reclamação de usuários sobre a demora para conseguir acesso a alguns procedimentos. “Já esperei de seis meses a um ano para ter uma consulta com especialista. Por isso, muitas vezes acabamos por recorrer aos privados para não ter de esperar”, conta a psicóloga portuguesa Sandra Machado, 25 anos.
Mesmo assim, quem conhece a realidade daqui e de lá é categórico: os sistemas europeus são modelos a serem seguidos. “Os portugueses sempre se queixam, é normal. Mas quem já usou o sistema público do Brasil sabe que aqui (em Portugal) estamos realmente no céu. Eles nem imaginam a realidade brasileira”, afirma a engenheira de alimentos Nair do Amaral Sampaio Neto, 30 anos, brasileira que vive em Portugal desde 2007. “Aqui não diferem classe alta de baixa. É limpinho e bem organizado. Nunca passei mais de 10 minutos para ser atendida”, conta.
Para melhorar
Mas o que falta para o Brasil chegar lá? Primeiro, tempo. “Em termos de construção do sistema de saúde pública, o SUS é novo. Tem apenas 20 anos”, avalia a superintendente da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, Eliane Chomatas. Na Inglaterra, por exemplo, o Sistema Nacional de Saúde foi implantado em 1948, ou seja, há 61 anos.
Em segundo lugar, é necessário rever a remuneração dada aos médicos do SUS, considerada baixa em relação ao mercado – enquanto o SUS paga R$ 10 por uma consulta com um especialista, a Unimed paga, em média, R$ 42, por exemplo. A regra, claro, não é geral, mas, com uma remuneração baixa, os médicos do Sistema Único de Saúde tendem a entrar, mas não ficar. Fazem do SUS trampolim para montar seus consultórios particulares, depois de ficar anos em jornadas exaustivas, trabalhando em 3 ou 4 locais diferentes no mesmo dia ou semana.
O terceiro ponto, e o mais essencial de todos, é a questão do financiamento do sistema. O subfinanciamento gerou um dos principais problemas do SUS: um gargalo nos serviços de média complexidade, com filas, por vezes de anos, para uma simples consulta com um especialista.
Saúde custa caro, mas no Brasil, de todo o gasto com este setor, apenas 40% é desembolsado pelo poder público. O restante é pago pelo particular. Este porcentual é semelhante ao aplicado pelo EUA no seu modelo não-universal. Um contrassenso. Países que se propõem a atender toda a população por um sistema público são responsáveis por investir, em média, cerca de 85% dos recursos com saúde.
Luz no fim do túnel
O primeiro passo para começar a remodelar o sistema brasileiro já foi dado, com a Emenda 29/2000, que definiu para municípios e estados porcentuais mínimos obrigatórios em investimento de saúde. Tal dispositivo, porém, não foi até agora regulamentado. Como ninguém sabe dizer ao certo o que realmente conta como gasto de saúde, tem gestor colocando o que pode na conta da saúde, de saneamento básico à merenda escolar.
De acordo com os especialistas, a regulamentação da Emenda 29 deve ser uma saída para pôr ordem na casa e melhorar o sistema de saúde pública. Assim, quem sabe, depois de regulamentar a Emenda 29, os brasileiros possam falar que o SUS pode não ser barato para os cofres públicos, mas é de qualidade.
Americanos não caminham para universalizaçãoO sistema americano de saúde pública não é e nem deve ser, num futuro próximo, universal, isto é, acessível a toda a população. A reforma americana proposta pelo presidente Barack Obama contempla apenas a inclusão de cerca de 50 milhões de norte-americanos no sistema de saúde pública, expandido o benefício para todas as famílias que ganhem até US$ 33 mil por ano.
Maior gargalo é a assistência de média complexidade
Especialistas concordam que entre os principais problemas do Sistema Único de Saúde (SUS) estão as discrepâncias regionais. Enquanto alguns pontos do país contam com um sistema organizado, em outros é um caos. De acordo com os especialistas também, o Paraná e, principalmente, a capital do estado, são exemplos de saúde pública para o resto do país.
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