A Justiça derrubou na semana passada, em 31 de agosto, a lei estadual 1.131/2010, a lei da dupla porta, nos hospitais públicos de São Paulo.
O juiz Marcos de Lima Porta, da Quinta Vara da Fazenda Pública, acatou representação dos promotores Arthur Pinto Filho e Luiz Roberto Cicogna Faggioni, do Ministério Público Estadual (MPE) e concedeu liminar, proibindo o governo paulista de vender 25% dos serviços dos hospitais públicos geridos por Organizações Sociais de Saúde (OSs) para planos de saúde, como permite a lei 1.131/2010.
Em nota oficial, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo informa que vai recorrer da decisão. Eis a íntegra do comunicado:
INFORMAÇÕES ERRADAS, DINHEIRO PARA OSS E VAGAS PARA USUÁRIOS DE PLANOS
A nota oficial da Secretaria de Estado da Saúde incorre em alguns equívocos e reconhece, de forma explícita, o objetivo da lei 1.131/2010.
“A nota oficial afirma, sem qualquer embaraço, ‘que é do Ministério Público, bem como da Agência Nacional de Saúde Suplementar, que o crescimento do número de clientes de planos privados não foi acompanhado pela expansão da rede de Hospitais e serviços de saúde credenciados para atender estes pacientes’”, observa o promotor Arthur Pinto Filho, da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos e Saúde Pública do MPE.
“Sim, o Ministério Público tem conhecimento desses dados”, atenta o promotor. “Mas não sabia, como agora sabe já que a Secretaria assume explicitamente, que o objetivo da lei é retirar leitos SUS para criar vagas para planos de saúde privados e resolver problemas deles, que, em função do crescimento do Brasil, aumentaram substancialmente o número de clientes. E, tais planos, visando lucros estratosféricos, não criaram condições adequadas para o atendimento para estes novos clientes.”
“Na verdade, a nota oficial confirma o que já suspeitávamos”, afirma Mário Scheffer, presidente do Grupo Pela Vidda, entidade que liderou a representação ao MPE. “A partir da constatação óbvia de que o mercado de planos de saúde cresceu mais do que a rede credenciada das operadoras, a Secretaria da Saúde assume a parceria pretendida pela lei 1131. As OSs ganham dinheiro novo para tentar manter uma vitrine assistencial. Já os planos agregam valor aos produtos que eles comercializam, ostentando em sua rede, atualmente medíocre, os melhores hospitais do SUS em São Paulo.”
“Ocorre que não cabe ao Estado solucionar problemas dos planos privados”, volta à carga o promotor. “Ainda mais retirando 25% dos leitos SUS dos hospitais de alta complexidade. A razão, agora explicitada, não tem por base resolver problemas de eventuais financiamentos da saúde, mas solucionar problemas dos planos de saúde.”
A nota diz que a “finalidade é permitir que hospitais estaduais gerenciados por OS possam ser ressarcidos pela assistência médica que prestem a pacientes beneficiários de planos de saúde”. Tal informação não procede.
“Como o Viomundo já registrou, a lei estadual n° 9.058, de 29 de dezembro de 1994, e a lei federal 9.656, de 3 de junho de 1998, permitem que o Estado cobre o referido ressarcimento de 100% dos pacientes dos planos de saúde atendidos via SUS”, relembra Arthur Pinto Filho. “Aliás, exatamente por esses motivos, o ex-governador José Serra vetou em 2009 uma lei idêntica à 1.131/2010.”
Assim como é absolutamente incorreto o argumento de que a leis existentes não se aplicam às organizações sociais, porque “a lei federal quando criada, na década de 90, não previu a figura jurídica de gestão de hospitais públicos”.
“Os hospitais gerenciados por OSs são públicos e não perdem esse caráter”, alerta o promotor. “Todo o dinheiro utilizado nesses hospitais é 100% público. Assim, é evidente que as leis que permitem o ressarcimento podem ser aplicadas, como são, aos hospitais públicos gerenciados por OSs.”
Diante de tudo isso, o promotor Arthur Pinto faz um apelo ao secretário de Saúde, Guido Cerri. “Considerando que as entidades e movimentos sociais da área de saúde são unanimemente contra a lei 1.131/10, tenha sensibilidade social e não adote, em São Paulo, uma política pública que, como bem marcou o Dr. Marcos de Lima Porta, ‘ofende o Estado democrático de direito e ao interesse público primário da coletividade’”.
PS do Viomundo: A nota da Secretaria da Saúde afirma que os planos privados oneram o SUS em cerca de R$ 500 milhões. Esse valor, no entanto, diz respeito ao Brasil inteiro e não apenas a São Paulo, como pode dar margem a entender o comunicado oficial. Segundo o doutor Renato Azevedo Júnior, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), anualmente os planos privados de saúde deveriam ressarciar o SUS em R$ 500 milhões por atendimentos recebidos por seus usuários nos hospitais públicos. “É gente que foi atendida no sistema público e que pagou o plano de saúde, só que o plano faz de conta que não é com ele”, salientou em entrevista a mim, Conceição Lemes.
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