Editorial da Revista da ADUSP
Poucas organizações privadas acumularam tanto poder político quanto as fundações privadas, ditas de apoio, que atuam no setor da saúde. Duas delas, a Fundação Faculdade de Medicina (FFM) e a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), tendo se credenciado como “organizações sociais”, respondem atualmente, ao lado da Santa Casa de Misericórdia, pela maior parte dos contratos de gestão que privatizam a saúde pública em São Paulo (Estado e Capital).
Eis que, com diversos contratos em andamento com o governo estadual, a FFM tem a felicidade de ver seu presidente guindado ao posto de... secretário estadual da Saúde! Precisamente o titular da pasta encarregada de gerir tais contratos. O presidente, então, licencia-se do cargo.
É o que consta do site da fundação privada: “presidente licenciado”, dando a entender que voltará em algum momento.
Giovanni Guido Cerri tornou-se professor titular da Faculdade de Medicina da USP em 1996, e logo galgou todos os postos disponíveis na hierarquia daquela unidade e do seu Hospital das Clínicas, inteiramente controlado pela fundação privada. Ao longo dos anos, o radiologista Cerri tratou igualmente de seus próprios negócios. Criou empresas de medicina diagnóstica, tornou-se sócio cotista de um grupo poderoso do setor de laboratórios e associou-se a um reputado hospital privado, o Sírio-Libanês.
Ao assumir a pasta estadual da Saúde, Cerri permaneceu como membro do Conselho de Administração do Hospital Sírio-Libanês, embora este também mantenha uma “organização social” que possui contrato milionário com o governo Alckmin. A julgar pelo site da instituição privada, Cerri exerce ainda o cargo de coordenador do centro de radiologia do hospital. Não são evidências suficientes de conflito de interesses?
Não faz tanto tempo assim, o governador demitiu um funcionário de escalão inferior da Secretaria de Segurança Pública, que tinha sua própria empresa (também contratada pelo governo, como forma de “melhorar a remuneração” desse funcionário), a qual por sua vez comercializava dados com terceiros. Situação inaceitável, proclamou Alckmin na época. Pois bem, o caso atual é infinitamente mais grave. Como demonstra a reportagem de Débora Prado e Tatiana Merlino iniciada na p. 19, Cerri é o principal responsável pela gestão de contratos que, somados, ultrapassam a casa do bilhão de reais. E que interessam diretamente a instituições privadas às quais ele continua ligado por muitos laços.
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