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domingo, 28 de dezembro de 2014

Heider Aurélio Pinto: Erros e acertos da campanha Contra o Racismo no SUS

por Heider Aurélio Pinto no Facebook

Caros, me posiciono aqui como cidadão, médico e especialista em Saúde Coletiva (especialidade que combina medicina, epidemiologia, ciências sociais e administração de serviços). 
Não me posiciono aqui como Secretário do Ministério por dois motivos: primeiro porque como esta é uma página privada, não sou obrigado; segundo porque a campanha não é de uma área que eu coordeno.

Fui motivado por diversas mensagens pessoas em defesa e contra desde que a campanha começou. Eis minhas posições em tópicos:

1- Brasil é uma país racista 

Sim, o Brasil é um país racista. As estatísticas estão aí para mostrar isso. No Brasil (como em diversos outros países) o fato de ser negro está associado à menor renda, a mais pobreza, a menos anos de estudo e a menos acesso a serviços e direitos de uma maneira geral.

2- Racismo é um problema complexo e combinado com outros 

Portanto, considerar o racismo passa por relacioná-lo a estes fatores, que são fatores sociais. Logo, não basta a epidemiologia clínica, é necessário combinar a epidemiologia social com as ciências sociais. Não bastam soluções isoladas, é necessário a combinação de soluções, por exemplo: a Lei das Cotas por ampliar o acesso ao ensino superior interfere no fato mais importante, depois da riqueza herdada, para a renda de uma pessoa: seu grau de instrução e qualificação para ocupar posições no mercado de trabalho.

3- O SUS é racista

O SUS é racista. Como a escola pública é racista, como as Universidades são, como o mercado de trabalho é. Ora, se o país é Racista é de se esperar que maioria de suas instituições sejam. Estranho seria se fosse o contrário. O fato dele ser racista, não quer dizer que é o único que é, quer dizer que também é.

4- Como acontece na realidade?

Há mais chances de uma mulher de classe média alta, branca, tida como “bonita” e “bem vestida”, com 20 anos, com nível superior, grávida, com diabetes ou de uma mulher pobre, negra, tida como “feia” e “mal vestida”, com 40 anos, pouco instruída, grávida, com diabetes ser bem atendida, ter seu pé examinado, ser orientada e ser acompanhada? Ora, há mais chances de qual das duas conseguir emprego numa loja? E de ter recebido mais atenção num processo de formação, seja educação formal ou treinamento para o trabalho? São fartas as evidências que apontam que a segunda tem mais dificuldade em diversos campos da vida e na saúde não é diferente.

5- O racismo tem o protagonista de um profissional específico?

Em nenhum momento se atribui o racismo a um ou outro profissional ou profissão específica. Está se tratando de um modo geral das pessoas que atuam e são atendidas nos serviços de saúde. Ora o racismo pode ser cometido por um profissional que atende na recepção, na sala de procedimentos ou no consultório, outras ele é protagonizado por um usuário em relação a outro que está a seu lado na sala de recepção ou a um profissional negro que vai lhe atender (ex: sou negro e muito sutilmente, não poucas vezes, o usuário demorou um pouco a entender que eu é que era o médico e não uma espécie de ajudante que o recebia na porta e o levava para se acomodar na cadeira).

6- É só o racismo ou é também o racismo?

Na imensa maioria dos casos o racismo vem junto com outras causas, de modo que é tido como “causa contribuinte” e não como única causa. Não é a única causa em nenhum dos exemplos que citei acima, mas pode ser isolado dos demais fatores: pobreza, acesso, nível educacional, padrão estético, etc. Mulheres pobres negras ganham menos que mulheres pobres brancas, crianças pobres negras, recebem menos atenção na escola que crianças pobres brancas e assim vai.

7- Mas vale a pena tratar então só do racismo?

O fato de não ser a única causa e de ser uma causa que vem associada a outras, não faz com que deixe de ser uma causa contribuinte e uma causa eficaz, ou seja, que produz efeito no fenômeno. Portanto, deve sim ser combatida, claro que junto com as demais.

8- É um acerto ou um erro fazer a campanha?

Se o problema existe enquanto fato. Se o racismo não é a única causa, mas é uma causa contribuinte e eficaz. Se acontece em diversas dimensões e instituições da vida e também no SUS. Se resulta em descuidado e piores indicadores de saúde para esta população específica. Sim, vale! Portanto, para mim, por estes motivos todos é um acerto fazer a campanha no SUS, nas universidades, nas escolas, nas empresas etc.

9- Ministério da Saúde e CFM já fizerem campanha contra o racismo?

Sim, em outras ocasiões. O fato de não estarem juntos nesta tem mais a ver com o momento político entre as duas instituições (felizmente isso está mudando para o bem da saúde do país) do que por uma posição duradoura sobre o tema. Anos atrás o CFM esteve na solenidade de lançamento de campanhas contra o chamado racismo institucional dando apoio às ações.

10- Tem erros na campanha?

Sim! Esses dias me mandaram uma postagem que tratava da anemia falciforme. Nosologicamente sabemos que comparar a mortalidade nesta doença em negros com a mortalidade em brancos deve-se mais à diferença abissal de prevalência entre elas. Um dado de letalidade dos casos em um e outro grupo e controlados os fatores de renda além de raça poderia sugerir ou não diferenças, mas o fato é que a postagem foi incorreta. Alertada, a campanha a tirou do ar. Podem haver outros? Sim. Pode. Mas a maioria das postagens estão corretas e se baseiam em evidências, o fato é que precisa ter um acompanhamento técnico (comunicação social + saúde) mais próximo para evitar que novos erros aconteçam: seja erros de exemplos epidemiológicos, seja de comunicação dizendo uma coisa quando se quis dizer outra.

11- O banho, a água do banho e o bebê.

Mas, como se diz no velho ditado, não joguemos o bebê junto com a água suja do banho.
O melhor para nós seria encarar o racismo em nossa sociedade, deixar que o dia 20 de novembro fosse de fato de consciência negra e do racismo contra os negros, e permitir que ele se estenda em nossas consciências todos os dias do ano.
Aproveitemos as festas de fim de ano, sejamos mais generosos com todos, compreendamos que as intenções podem ser boas e que as pessoas e organizações podem errar, sejam aqueles que fazem algo, sejam aqueles que criticam o feito. O feito pode ter falhas e a crítica pode não ter sido correta e amadurecida.
2015 vem aí e tenho clareza que poderemos fazer dele um ano melhor para todos o brasileiros, para o SUS, para negros, brancos, amarelos, indígenas, imigrantes, etc etc etc.

Um comentário:

  1. Prezados colegas
    Somos médicos gaúchos e publicamos no blog
    http://saudepublicada.sul21.com.br/
    Sobre esta questão publicamos o texto
    http://saudepublicada.sul21.com.br/2014/12/26/uma-possibilidade-de-progresso-para-enfrentar-os-racistas/
    Que trata de ação de médicos contra Ministério da Saúde solicita definição de “ações racistas”.
    Vários dos itens enumerados foram discutidos em posts anteriores em http://saudepublicada.sul21.com.br/category/discriminacao/
    Abraços do colega
    Telmo Kiguel

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