O discurso de posse da presidenta Dilma foi alentador.
Vovó Loloca sempre diz que existe um abismo enorme entre o falar e o fazer.
Para sorte da humanidade, este abismo não é intransponível.
Vou deixar de lado a parte do discurso que fala do “Brasil Pátria Educadora” com as boas intenções e as verbas do pré-sal entregues ao Cid Gomes (do PROS, dissidência do PSB).
Cid Gomes é o cara que disse algo assim que “professor tem que trabalhar por amor, sem se importar com o valor do salário”.
Adoraria ver esta pérola aplicada aos políticos “profissionais”.
Mas quero me concentrar na saúde.
Dilma falou assim:
"Na saúde, reafirmo nosso compromisso de fortalecer o SUS. Sem dúvida, a marca mais forte do meu governo, no primeiro mandato, foi a implantação do Mais Médicos, que levou o atendimento básico de saúde a mais de 50 milhões de brasileiros, nas áreas mais vulneráveis do nosso país. Persistiremos, ampliando as vagas em graduação e em residência médica, para que cada vez mais jovens brasileiros possam se tornar médicos e assegurar atendimento ao povo brasileiro. Neste segundo mandato, vou implantar o Mais Especialidades para garantir o acesso resolutivo e em tempo oportuno aos pacientes que necessitem de consulta com especialista, exames e os respectivos procedimentos."
Legal! O Mais Médicos foi um achado! Mexeu com o modelo assistencial, mostrou outro jeito de cuidar das pessoas e deu uma abalada muito grande na espinha dorsal do corporativismo e “classismo” de algumas profissões da área da saúde.
Ampliar o acesso a chamada “média complexidade” com o “Mais Especialidades” é um passo gigantesco para desatar um nó monstruoso na área da assistência à saúde.
Este nó não é exclusividade do nosso SUS. Ele existe no mundo todo.
Quer um exemplo? Veja o que acontece na Inglaterra. Se o camarada que vive lá tem que operar uma hérnia inguinal, ele provavelmente terá que esperar na fila quase um ano.
Igualzinho aqui?
Quase!
A diferença é que lá na Inglaterra o cara sabe que vai operar a hérnia dali um ano com dia, hora e hospital já designados.
Eles tem uma coisinha que nós temos muito pouco por aqui…
A palavra mágica que faz a diferença é: REGULAÇÃO.
Ampliar a oferta de consultas, exames e terapias sem REGULAÇÃO é suicídio…
Quer um exemplo? Aqui no Paraná a gente tem uma quantidade de mamógrafos que corresponde a quase o dobro da necessidade para a população alvo. No entanto, a razão de mamografias realizadas é de 0,36, quando deveria ser no mínimo 0,5. O dobro de equipamentos realiza só 2/3 da necessidade.
O equipamento existe, mas as pessoas não chegam aos equipamentos que estão ociosos…
Por outro lado, procedimentos de alta complexidade são realizados em frequências discutíveis… Em algumas especialidades o índice de normalidade de exames é superior a 70%. Tomografias realizadas para investigar “dores de cabeça” chegam a ter índices de 90% de normalidade.
A isto os estudiosos chamam de “indução da demanda pela oferta”.
Se um usuário do SUS tiver um mal-estar com dor precordial, muito provavelmente em menos de 24 horas ele poderá estar dois pares de “stents” em suas coronárias… Mas se o caso for de fazer um teste ergométrico, ou um simples eletrocardiograma, pode demorar mais de 6 meses.
A palavra mágica que faz a diferença é: REGULAÇÃO.
Vou contar um caso:
Eu sou cardio-pediatra.
Há uns anos atrás, recebi um telefonema do hospital onde trabalho (região de Curitiba) dando conta de que um bebê de 3 dias de idade com uma cardiopatia congênita grave tinha dado entrada na emergência.
Era um sábado, fui direto ao hospital e fiz o ecocardiograma do bebê. O diagnóstico foi de “Transposição dos Grandes Vasos com Septo Interventricular Íntegro”. Doença gravíssima. 90% de óbito dentro do primeiro ano de vida. Possibilidade enorme de óbito nos primeiros dias de vida.
Pessoal da UTI equilibrou o paciente, começou medicação "salva-vidas" endovenosa. A equipe cirúrgica foi acionada e a vida do bebê foi salva. Na segunda feira, dois dias depois, fiz o eco do pós operatório. Um sucesso!
Agora vem a parte interessante da coisa: o bebê tinha nascido em Tocantins! Constatado que tinha algo errado, o pessoal que atendia a criança entrou em contato com a CNRAC (Central de Regulação de Alta Complexidade).
A turma da CNRAC (que fica em Brasília) localizou o serviço disponível e colocou a criança e sua família no avião. Chegando a Curitiba a ambulância do SAMU estava na pista do aeroporto para levar a criança para o hospital.
Tudo isso pelo SUS - aquele que não funciona (SIC). Sem ônus para a família.
Uma criança precisando de um serviço complexo, nasceu em um lugar que não tem o serviço disponível.
No lugar onde existe o serviço, este funcionando com um certo grau de ociosidade.
Ambas as situações são preocupantes e custam muitas vidas (e muito dinheiro).
Daí vem alguém e coloca o bebê em contato com o serviço.
A palavra mágica que faz a diferença é: REGULAÇÃO.
Que venha o “Mais Especialidades”…
Mas que venha com REGULAÇÃO REGULAÇÃO REGULAÇÃO REGULAÇÃO.
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